Título: As cinzas da ira
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 25/05/2011, O Mundo, p. 30

Nuvem se espalha, mas linhas aéreas acusam autoridades de exagerar perigo de vulcão islandês

O SAGUÃO do aeroporto de Edimburgo, transformado em dormitório: somente na Escócia, 80 voos foram cancelados, obrigando centenas de passageiros a improvisar para dormir

Apesar de as autoridades europeias se mostrarem otimistas diante do potencial de transtornos aéreos causados pelo vulcão islandês Grimsvotn, entre os distúrbios já provocados está uma troca de acusações em terra: de um lado, os órgãos responsáveis pelo controle do espaço aéreo na Europa; do outro, as companhias aéreas ¿ para as quais o cancelamento de pelo menos 500 voos somente ontem teria sido uma decisão marcada por excesso de zelo. Após cancelamentos e atrasos nas Ilhas Britânicas e em países escandinavos, hoje, autoridades alemãs já informaram que vão fechar dois terminais ¿ Bremen e Hamburgo.

O debate remonta ao caos provocado no ano passado pelo fechamento do espaço aéreo de 20 países europeus durante seis dias ¿ levando a prejuízos de US$1,8 bilhão para a indústria da aviação e de cerca de US$5 bilhões para a economia mundial. Naturalmente, as companhias aéreas querem evitar o mesmo cenário. Ontem, seus executivos já faziam pressão para evitar novos fechamentos. As discussões resultaram também em diálogos ríspidos: o irlandês Michael O¿Leary, dono da Ryanair ¿ maior companhia aérea de baixo custo da Europa, em número de passageiros ¿ acusou as autoridades britânicas do que classificou como ¿apresentação de mapas mitológicos da poeira¿ sobre o norte do Reino Unido, onde vários aeroportos foram fechados. O¿Leary disse ainda ter ordenado um voo de teste para averiguar as condições nos céus.

¿ Voamos por uma hora e meia numa altitude de mais de 12 mil metros e não encontramos qualquer evidência visível de poeira vulcânica, incluindo no equipamento da aeronave ¿ disparou o irlandês à rede BBC.

Órgão de aviação rebate Ryanair

No entanto, a CAA (agência controladora do tráfego aéreo britânico), disse não ter encontrado registro do voo da Ryanair quando a concentração de poeira estava em níveis considerados perigosos para a aviação.

¿ As alegações do senhor O¿Leary são confusas e irresponsáveis. Sempre vamos zelar em primeiro lugar pela segurança dos passageiros. Estamos preparados para conversar com as companhias e melhorar o sistema, mas não aceitaremos ser pressionados ¿ rebateu o ministro britânico dos Transportes, Philip Hammond.

Apesar de elogiar o desempenho europeu na administração do caso ¿ considerado melhor que no ano passado ¿ a Associação internacional de Transporte Aéreo (IATA) pediu mais coordenação entre governos e reclamou do governo britânico. Para a entidade, ¿é incrível e inadmissível¿ que o Reino Unido não tenha uma aeronave para coletar dados precisos sobre a nuvem vulcânica. Já a Associação de Pilotos Europeia alertou as companhias a não voarem sequer em áreas com concentração média de cinzas.

¿ A associação não pode aceitar em circunstância alguma voos na zona vermelha, mesmo se aprovados pela companhia ¿ afirmou o secretário-geral, Philip von Schoppenthau.

Após o caos do ano passado ¿ que deixou 10 milhões de passageiros no chão ¿ vários países criaram planos de contingência para novas erupções. No Reino Unido, companhias aéreas podem obter autorização para voos por nuvens de poeira mediante a apresentação de uma série de testes de segurança. Especialistas já avisaram que as partículas expelidas pelo Grimsvotn são maiores que as do vulcão do ano passado, o Eyjafjallajokull, e, por isso, permanecerão menos tempo no ar.

¿ Será um grande teste da capacidade dos países europeus de responder a uma crise de alto impacto e baixa probabilidade. Há desde desafios logísticos à comunicação de um problema complexo para um público frustrado ¿ avalia Bernice Lee, analista da Chatham House, em Londres.

As discussões nos bastidores da aviação europeia não impediram, no entanto, atrasos, cancelamentos e muitas reclamações no oeste da Noruega, na Dinamarca e na Escócia. Só em aeroportos escoceses, mais de 80 voos foram cancelados. Cerca de 400 passageiros tiveram de passar a noite no aeroporto de Edimburgo, devido aos problemas no tráfego aéreo.

Na Noruega, as cinzas do vulcão interromperam o movimento dos aeroportos de Stavanger e Karmoeyu. Já autoridades dinamarquesas informaram ter fechado o espaço aéreo abaixo de seis quilômetros no noroeste da Dinamarca ¿ região onde não há aeroportos, embora a medida tenha causado atrasos e alguns cancelamentos de voos no aeroporto de Copenhague.

O temor de caos aéreo chegou ainda à Alemanha. A agência meteorológica alemã previu que a nuvem vai se dispersar pelo norte do país. Como medida preventiva, os aeroportos de Bremen e Hamburgo serão fechados já a partir da manhã de hoje.