Título: Correa reforça viés autoritário no Equador
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Fonte: O Globo, 27/05/2011, Opinião, p. 6

O presidente do Equador, Rafael Correa, caminha a passos largos para colocar o país ao lado de outros bolivarianos que pisoteiam a liberdade de opinião e expressão, com o objetivo de ver divulgada apenas a versão oficial dos fatos. Isso impede, por exemplo, que a imprensa independente exerça sua função de fiscalizar as autoridades em nome dos cida dãos. Obviamente, os meios de comunicação que veiculam loas aos poderosos têm livre trânsito no Equador e em outros seguidores dessa via de retrocesso democrático, como Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua.

Correa age no atacado e no varejo. Neste pode ser situado o caso do jornalista Emilio Palacio, editor de Opinião do diário "El Universo". Suas críticas irritaram o presidente e ele tornou-se alvo de três denúncias judiciais por parte do governo. Na última delas, por calúnia, Correa pede três anos de prisão e uma indenização de US$80 milhões. O objetivo, além de silenciar o jornalista, é levar "El Universo" à falência.

Para atuar no atacado, Correa seguiu a receita de Hugo Chávez e aplicou o "kit bolivariano", cuja primeira providência é promover um plebiscito para alterar questões básicas da vida nacional, contando com o rolo compressor da máquina de propaganda do governo. É a teoria da democracia plebiscitária, que supostamente coloca o povo diretamente na raiz das decisões, mas esvazia as instituições e os instrumentos da democracia tradicional, como o Legislativo e o Judiciário, criando um Executivo vitaminado. É um caminho seguro para a ditadura, por vias "democráticas".

No Equador, a consulta popular de 7 de maio teve dez perguntas para, entre outras coisas, aprovar uma reforma radical do Judiciário e impor limitações ao exercício do jornalismo. A proposta governamental que teve menos apoio foi justamente a que prevê a criação de um organismo para fiscalizar os meios de comunicação, institucionalizando a censura. Ela foi aprovada por 44,96% dos votantes, enquanto 42,04% disseram-lhe "não". Se fosse pessoa sensata, Correa pensaria com cuidado antes de implementar o resultado do referendo, pois a margem de vitória do governo foi muito estreita. O que a consulta mostrou foi a divisão praticamente ao meio do país, cujo povo não deu ao dirigente o respaldo para tomar medidas tão drásticas quanto as preconizadas. Um presidente eleito pelo povo tem o dever de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições democráticas e de tomar providências para que isso aconteça. Mas deve fazê-lo por vias constitucionais. O que se vê nos países bolivarianos-chavistas, no entanto, é seus líderes se valerem do espaço democrático para atacar as instituições em nome de um projeto de poder pessoal autoritário.

O Equador tem problemas, mas o caminho escolhido por Correa não é o indicado para resolvê-los. Para chegar a essa conclusão, ele poderia, aí sim, ver o que se passa no modelo que copia, o da Venezuela, isolada e esvaziada - em múltiplos aspectos, como o econômico - por Hugo Chávez e o "socialismo bolivariano do século XXI". A chegada do novo século e a companhia de um adjetivo não foram suficientes para fazer o velho socialismo funcionar. Afinal, ele até já acabou onde surgiu.