Título: Era só o que faltava
Autor: Gois, Chico de; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 02/06/2011, Economia, p. 21

USINA DE POLÊMICA

Ibama concede licenciamento para instalação da Hidrelétrica de Belo Monte

Chico de Gois, Mônica Tavares e Catarina Alencastro

OIbama considerou cumpridas todas as 40 condicionantes impostas ao consórcio Norte Energia e concedeu ontem a licença de instalação do canteiro da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, acompanhada de outras 23 exigências. A liberação das obras - que começarão após a publicação da decisão no Diário Oficial e a emissão da ordem de serviço para as empreiteiras contratadas - ocorreu quase dez anos depois da retomada do projeto, aventado inicialmente em 1975. O governo, que escalou três ministros para o anúncio, e o Norte Energia garantiram o cumprimento do cronograma, com as primeiras turbinas prontas em 31 de dezembro de 2014 e a venda de energia começando em fevereiro de 2015.

Orçada oficialmente em R$20 bilhões, mas com valor estimado em mais de R$30 bilhões, Belo Monte terá uma potência instalada de 11.233 megawatts (MW) em 2019, quando estará totalmente pronta, tornando-se a usina 100% brasileira de maior capacidade, perdendo apenas para Três Gargantas, na China, e a binacional Itaipu.

- Temos, afinal, a licença para Belo Monte - festejou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ao lado dos colegas Miriam Belchior, do Planejamento, e Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência. - Queríamos que a licença tivesse sido concedida há mais tempo, o que nos daria uma folga. Mas vamos aproveitar a janela hidrológica (período no qual ocorrem menos chuvas).

- A janela hidrológica na região está garantida, agora é só fazer a obra. Está tudo certinho, a entrega da primeira turbina será em 2015 - disse o presidente do Conselho de Administração do Norte Energia, Valter Cardeal, que confirmou a saída das seis construtoras menores do empreendimento e, em referência à suposta quantidade de interessados em comprar a fatia, disse que "a fila anda, baila funk".

O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, negou que o licenciamento não tenha sido rigoroso:

- Evidentemente que o Ministério Público pode a qualquer momento questionar. Mas temos segurança técnica e jurídica para dizer que esta licença é tecnicamente, juridicamente e, principalmente, ambientalmente sustentada, porque ela retrata exatamente o que é necessário em termos ambientais. Neste momento, todas as 40 condicionantes estão cumpridas - garantiu o presidente do Ibama.

Várias das condicionantes foram cumpridas a partir de uma alteração no projeto, negociada entre o consórcio e o Ibama. Inicialmente, a usina alagaria 1.200 km2. Agora, o reservatório terá metade disso: 560 km2. O Norte Energia também previa a escavação de dois canais que abasteceriam o reservatório. Mas só um será construído, evitando a remoção de 77 milhões de metros cúbicos de terra. Outra alteração foi feita no barramento, que foi deslocado para não atingir terras indígenas. Com isso, haverá uma perda de 7% na geração elétrica.

Durante a obra, 23 condicionantes serão cobradas. A licença tem validade de seis anos e será suspensa caso alguma exigência não seja cumprida. Perguntado se isso não significava, na prática, uma redução do número de exigências de 40 para 23, o presidente do Ibama negou:

- Não significa que todas as 40 já foram eliminadas. Algumas vão sendo cumpridas ao longo do processo.

Aproveitando uma chance para falar ao microfone, um representante da ONG Instituto Sócio-Ambiental (ISA), Marcelo Salazar, criticou:

- Estamos diante de um processo vendido. Eu me sinto perplexo ao ouvir que todas as condicionantes foram cumpridas. Quem mora lá sabe que a cidade não tem a menor condição de receber uma obra deste tamanho.

No Rio, Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Energia do Greenpeace, também abriu fogo:

- Está virando praxe neste governo aprovar projetos mesmo sem as condicionantes serem cumpridas. Se eram para ser desrespeitadas, porque foram impostas?

Já especialistas do setor elétrico consideraram positiva a concessão da licença. Segundo eles, a energia da hidrelétrica será barata e limpa, e a área que ficará alagada, muito pequena. A usina é considerada estratégica para o aumento da oferta de eletricidade no país. Para o diretor da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, o importante é que os responsáveis cumpram todas as exigências socioambientais feitas pelo Ibama:

- Espero que o Ibama tenha sido bastante rigoroso, e que o grupo empresarial responsável pela construção se comprometa a cumprir todas as exigências. O potencial hidrelétrico do Brasil é muito grande e a energia ainda é barata, não pode ser abandonada, desde que respeitadas as questões socioambientais.

O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do instituto de Economia da UFRJ, Nivalde de Castro, destacou que o Brasil, além de ter grande experiência na construção de hidrelétricas, vem desenvolvendo projetos com redução dos impactos ambientais e um custo de energia que está entre os mais baratos do mundo.

COLABORARAM: Liana Melo e Ramona Ordoñez