Título: Troca de marcha
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 11/06/2011, Economia, p. 34

Uma economia em desaceleração tem às vezes dados contraditórios que confundem as pessoas e empresas e dificultam decisões. O comércio caiu em maio, mas cresceu 10% sobre 2010; o crédito está mais fraco, mas apenas o ritmo de crescimento; o fluxo de veículos nas estradas caiu, mas o de caminhões, subiu. O Ibovespa cai quase 10% no ano; na semana, recuou 2,55%.

Pela queda da bolsa este ano parece que algo de ruim está acontecendo. Na verdade, este é um ano mais difícil, mas é bom lembrar que no bom ano de 2010, a bolsa não subiu.

A inflação mensal subiu menos em maio no IPCA e os preços ao produtor tiveram deflação. No acumulado de 12 meses o IPCA pelo segundo mês está acima do teto da meta de 6,5% e vai continuar assim nos próximos meses.

O crédito total da economia cresceu 1,3% em abril, ritmo mais forte que março, quando subiu 1,1%. Na comparação com 2010, o crescimento se manteve em 21%. A taxa de juros pessoa física subiu para 46,8% no mesmo mês, como resultado do aumento da Selic e das medidas do Banco Central anunciadas em dezembro. Mas ela está num nível muito abaixo do período pré-crise, quando era de 57,9%.

Não há um mergulho na economia, há uma desaceleração, que pode ser mais ou menos forte, dependendo do setor. Neste momento, quem achar que a economia vai despencar pode errar por pisar muito no freio; da mesma forma, quem pensar que a economia vai acelerar como no ano passado corre riscos de derrapagem.

Pelo indicador da Serasa Experian, a demanda por crédito das empresas cresceu 12,3% de janeiro a maio em relação ao mesmo período de 2010. Entre as pessoas físicas, a categoria de renda pessoal abaixo de R$500 teve alta de 37,1%. Já entre quem ganha de R$5.000 a R$10.000, a alta foi 18,8%. Esses dados de crédito podem ser perigosos se começarem a comprometer parcelas cada vez maiores da renda familiar.

Em abril, a produção industrial caiu 2,1%. Na direção contrária, houve aumento do faturamento real das empresas, com alta no mês de 4,3%, enquanto as horas trabalhadas cresceram 1,5%.

Segundo o IBGE, ontem, as vendas do comércio caíram 0,2% em abril, mas no varejo em geral o ambiente continua sendo de otimismo, como eu pude comprovar nos últimos dias em conversas com empresários. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) espera aumento de 12% nas vendas do Dia dos Namorados em relação a 2010. O futuro do comércio, na verdade, está diretamente relacionado ao mercado de trabalho e à renda dos trabalhadores. Vejam no gráfico a correlação grande entre os dois fatores.

As importações continuam crescendo com força. Em abril, na comparação com o mesmo mês de 2010, as importações de bens duráveis cresceram 46,7%; de bens não duráveis, 17,6%. É isso que explica a produção industrial mais fraca que as vendas no comércio.

Pelo lado fiscal, o governo já conseguiu economizar R$41 bilhões para atingir os R$81 bilhões de meta de superávit primário para este ano. Fez 50% em cinco meses. Mas isso aconteceu não por redução de despesas, mas porque a arrecadação aumentou tanto que o governo só deixou de gastar o dinheiro extra que entrou no caixa. O crescimento da receita real, descontada a inflação, foi de 10,5% nos cinco primeiros meses do ano. Mais do que o dobro do crescimento projetado da economia no mesmo período. Esse aumento de receita está acontecendo por impostos ligados à atividade, como IPI (Imposto de Produtos Industrializados), Pis e Cofins.

Não vai haver queda forte este ano, mas nas transições de ritmo é preciso estar atento na hora da tomada de decisão. Cada número tem um significado. E de vez em quando os indicadores são contraditórios. Natural nos momentos de mudança de ritmo. O problema brasileiro não é de curto prazo; é tudo o que falta fazer. Mas isso já é outra história; outra coluna.