Título: Dilemas da corrida entre salários e preços
Autor:
Fonte: O Globo, 16/06/2011, Opinião, p. 6

A economia brasileira vai continuar gerando muitos empregos nos próximos meses - formais, principalmente -, mesmo que consiga moderar o ritmo de crescimento. Essa demanda seria reflexo dos investimentos programados ou em curso, que abrem novas frentes de trabalho nos diversos segmentos e em todas as regiões do país.

Em decorrência do mercado de trabalho aquecido, observa-se que as reivindicações dos sindicatos para firmar acordos coletivos envolvem aumentos reais de salários expressivos, além da multiplicação de benefícios.A livre negociação salarial foi um dos avanços introduzidos pelo Plano Real, e, diante do aquecimento do mercado de trabalho, é natural que os sindicatos busquem aumentos reais para seus representados.

Essas negociações podem ser consideradas bem-sucedidas se resultarem em melhorias para os empregados no curto prazo, mas não a ponto de anular a competitividade dos empregadores. Economias em expansão geralmente embutem ganhos de produtividade que devem ser a base de negociações racionais, pois, ao serem repartidos, não comprometem a competitividade no médio e longo prazos.

No entanto, a prática vem mostrando que os entendimentos estão difíceis em torno desta questão. Com a fábrica paralisada por cerca de um mês no Paraná, a Volkswagen quase chegou a um impasse com o sindicato de metalúrgicos local, por exemplo. E ainda haverá dissídios de categorias de sindicatos, com a inflação anualizada na faixa do limite superior da meta (6,5%). O risco dessa situação é que os parâmetros da produtividade sejam postos de lado, e a compensação para os aumentos reais de salários se faça em cima dos preços de produtos e serviços, deflagrando uma indesejável - e de muito difícil controle - corrida. O histórico da inflação no Brasil mostra o quanto essa corrida entre preços e salários prejudicou o país, e como foi socialmente oneroso estancá-la.

A política de valorização do salário mínimo, se por um lado tem contribuído para melhorar as condições de vida de trabalhadores menos qualificados, por outro restabeleceu um mecanismo de indexação automática na base da pirâmide salarial, que acaba se refletindo sobre a negociação dos demais salários.

A política econômica não pode ignorar essa realidade. O país precisa gerar mais bons empregos para superar os problemas sociais. Não será pela via do desemprego que se estabelecerá novo equilíbrio. Porém, no momento, é recomendável não pôr mais lenha na fogueira, o que, em termos de política econômica, significa conter gastos públicos correntes (do lado fiscal) e moderar a expansão do crédito (pelo lado monetário).

Ao que tudo indica, as autoridades econômicas estão mais conscientes sobre essas necessidades. As restrições aos gastos públicos, especialmente, terão de contornar obstáculos na esfera política, pois a abertura dos cofres nos dois últimos anos do governo Lula criou um precedente perigoso. A classe política não se convence facilmente que não dá para continuar com os cofres públicos escancarados.