Título: Bomba-relógio fiscal
Autor: Beck, Martha; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 16/07/2011, Economia, p. 27

Governo vai abater R$25 bi da meta de superávit para fechar conta em 2012

Oforte aumento de gastos públicos previsto para 2012 vai obrigar a equipe econômica a fazer um superávit primário (aquele antes do pagamento dos juros da dívida) menor. Os técnicos do governo já comunicaram ao Congresso Nacional que estão planejando abater até R$25 bilhões da meta do ano que vem - de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) - por conta de despesas como o reajuste do salário mínimo e do funcionalismo. Se em 2011 o quadro fiscal é aparentemente tranquilo, com um superávit primário de 3,29% do PIB acumulado em 12 meses até maio (acima da meta de 2,9% fixada para o ano inteiro), o que se mostra para o ano que vem é uma verdadeira bomba-relógio, com despesas adicionais de pelo menos R$50 bilhões.

Como se não bastasse o impacto que o reajuste do salário mínimo - quase 14% - vai ter sobre as contas do governo, será preciso acelerar os investimentos, desembolsar mais uma parcela do reajuste dos militares e ainda enfrentar pressões por aumentos do Poder Judiciário. Isso sem contar os pagamentos de precatórios antigos que não poderão mais ser parcelados por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Governo terá que controlar despesas

Cálculos do economista da consultoria Tendências Felipe Salto mostram que somente o aumento do valor do salário mínimo vai ter um impacto de R$23 bilhões nas despesas do governo atreladas a ele, como Previdência Social, seguro desemprego e a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Outros R$20,6 bilhões representam o impacto estimado das despesas com aumento de pessoal no ano que vem, e R$7,5 bilhões, as despesas com precatórios. Tudo isso soma R$51,1 bilhões.

- São todas despesas extras que vão exigir algum tipo de esforço do governo para fechar suas contas - disse Salto, lembrando que os R$51,1 bilhões representam quatro vezes o Bolsa Família.

Ele acredita que, embora a meta de primário de 2012 esteja fixada em 3,1% do PIB, o governo só conseguirá chegar a 2,6%:

- O governo vai ter que ajustar o primário e ainda fazer um controle rígido nas despesas correntes - disse Salto.

No caso do salário mínimo, a opção da presidente Dilma Rousseff foi segurar o valor de 2011 e adiar para 2012 uma correção maior. Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, cada real de aumento dado ao salário mínimo representa um impacto de cerca de R$300 milhões nas contas da Previdência Social. No início do ano, durante o debate sobre o valor do mínimo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, previu uma elevação de 13% a 14% para 2012, com o mínimo subindo para, pelo menos, R$616.

Esse cenário vai se agravar com algumas amarras que estão sendo impostas pelo Congresso na execução das despesas. Segundo o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Márcio Reinaldo Moreira (PP-MG), os parlamentares reduziram a parcela dos investimentos que pode ser abatida da meta de superávit primário em 2012.

A proposta do governo federal, como nos anos anteriores desde 2009, é permitir o abatimento de parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mais os Restos a Pagar (RPs) e o excedente do resultado primário do ano anterior. Agora, o relator decidiu excluir restos a pagar e sobra de resultado primário da conta. Ele estabeleceu que o montante terá que ser de até R$40,6 bilhões, sem outros acréscimos.

Márcio Reinaldo, que teve vários embates com a área econômica nas negociações, disse que já havia recebido indicações de que o governo não iria cumprir a meta fiscal cheia em 2012, mas que não iria abater todos os R$40,6 bilhões. Por isso, ele considera não haver problemas em restringir o abatimento.

- O governo me disse que só vai precisar de R$25 bilhões. Está com folga - contou ele.

Analista: inflação é outro "abacaxi"

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, alerta para outro "abacaxi" que a equipe econômica do governo terá que descascar no ano que vem: as pressões inflacionárias. Ele destaca que o governo terá naturalmente que aumentar gastos públicos em 2012, e isso poderá servir como um combustível adicional à variação dos preços.

- A inflação não vai simplesmente derreter de um ano para o outro - afirmou ele.

A mesma avaliação tem o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles:

- Mais do que o problema de solvência fiscal, o Brasil pode ter um problema de demanda agregada que impulsiona os gastos e pressiona a inflação - disse o economista.

Na área política, os líderes no Congresso Nacional e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, já começaram a tentar segurar a bomba fiscal. Uma das pressões que está preocupando é o pedido de aumento dos ministros do STF - o Palácio do Planalto só deu 35% do aumento pedido este ano.

O líder interino do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), reforçou que o governo não está disposto a dar novos aumentos em geral.

- O Tesouro Nacional só quer vetar e ficar com caixa à vontade. Eles têm que ter mais criatividade - rebateu Márcio Reinaldo, com a experiência de quem já foi da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), no Ministério do Planejamento.

Líder do governo minimiza riscos

Porém, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), minimiza as preocupações:

- A política de reajuste do mínimo (inflação passada mais a variação do PIB do ano retrasado) já foi aprovada. Isso já estava previsto. Acredito que as pressões são menores do que em 2009 e 2010.

Mas o líder tem que enfrentar pressões em cima de outra proposta considerada explosiva pelo governo: a chamada PEC dos Policiais. A criação de um piso nacional para os policiais poderia, nos cálculos do governo, gerar R$20 bilhões a R$30 bilhões em despesas, dependendo do texto a ser aprovado.