Título: Horas extras altas no mês do recesso
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 28/08/2009, Política, p. 5

Pagamento a servidores por trabalho excedente ao previsto somou R$ 6,4 milhões em julho, período em que a Casa funcionou só 18 dias

A crise no Senado parece longe de um desfecho moralizador. A Casa que convive desde o início do ano com denúncias de atos secretos, suspeitas de nepotismo, engavetamentos sucessivos de processos no Conselho de Ética e cartões vermelhos em plenário gasta em excesso com servidores até no mês do recesso. O pagamento de horas extras em julho, quando a Casa funcionou apenas até o dia 18, chegou a R$ 6,4 milhões. O valor corresponde a 74,8% do desembolsado em junho, que foi de R$ 8,6 milhões. Numa comparação levando em conta os dias trabalhados, são R$ 359,4 mil em horas extras por dia no mês do recesso contra R$ 278 mil do mês anterior. Os números foram apurados em levantamento feito pelo Correio no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e no Siga Brasil.

Nos 18 dias de julho, não houve movimentação madrugada adentro no plenário. Em função da crise, as poucas votações que ocorreram eram de consenso entre oposição e base aliada. A prioridade foi para reuniões do Conselho de Ética e para a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada em sessão conjunta de Câmara e Senado.

Segundo informações da Primeira-Secretaria, responsável pela administração do Senado, o pagamento de horas extras não é permitido durante o recesso, quando a atividade parlamentar inexiste e o trabalho em comissões e em CPIs é interrompido. Apenas despachos internos são realizados.

Para normatizar os trabalhos durante o restante do mês de julho, a partir do início da folga dos senadores, a Direção-Geral teria emitido expediente autorizando setores da Casa a funcionarem em regime de escala. Na Câmara, por exemplo, metade dos servidores trabalhou na primeira semana do recesso. O restante, na segunda.

Os valores registrados em um mês são pagos no salário do mês seguinte. Por isso, as despesas relativas a julho são liquidadas em agosto e assim sucessivamente. Em março, a imprensa noticiou o pagamento irregular, avalizado por ato secreto, de horas extras aos servidores da Casa referentes a janeiro, quando não houve, durante todo o mês, qualquer atividade parlamentar.

O volume de desembolsos acumulados até agosto com horas extras supera, por exemplo, os valores desembolsados com a despesa nos anos de 2004 e 2005, que foram de R$ 47,9 milhões e R$ 56,3 milhões, respectivamente, segundo o Siga Brasil. Este ano, até agora, o serviço extraordinário dos servidores custou à Casa R$ 59,7 milhões.

Veracidade Questionada pela reportagem sobre os milhões de reais pagos mês a mês em horas extras aos servidores da Casa, a Primeira-Secretaria informou que os números não correspondiam aos registrados pela Diretoria de Recursos Humanos, que havia baseado seus cálculos no sistema de gerenciamento Ergon. A assessoria do órgão foi informada que os números haviam sido pesquisados no Siafi e no portal Siga Brasil, utilizado pelo próprio Senado para coleta de dados divulgados no Portal da Transparência. Após consulta, a Primeira-Secretaria reconheceu a veracidade dos números da reportagem e disse que a discrepância entre os dados seria investigada pela equipe de Recursos Humanos.

O número mais atual divulgado pela Diretoria de RH da Casa é referente ao pagamento de horas extras de maio e soma R$ 6,8 milhões. A quantia é cerca de R$ 1,6 milhões menor do que a registrada pelo Siafi: R$ 8,4 milhões, desembolsados no mês de junho.

Quanto aos valores pagos em julho, a assessoria de imprensa da Primeira-Secretaria explicou que a comparação do valor investido para o pagamento de 18 dias de trabalho com o pago por um mês cheio não deve ser feita, já que alguns servidores estouram a cota máxima de horas extras antes do fim do mês. A assessoria também explicou que o valor máximo pago a um servidor por serviços extraordinários fica em torno de R$ 2,3 mil.

Um freio no plano de cargos

Desta vez, o ¿cartão vermelho¿ veio das mãos de José Sarney (PMDB-AP). O plano de cargos e salários dos servidores da Casa esbarrou na negativa do presidente da Casa. Ele não queria arcar com o desgaste de falar em reajuste para funcionários em meio à crise que assola o Senado. Desde a semana passada, crescia a articulação para a apresentação de um projeto de lei que estipulava aumentos de até 43% para consultores e advogados, além de 30% para as carreiras de técnico e 24% para analistas.

O projeto foi elaborado pelo Conselho de Administração do Senado e contou com consultoria da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ontem, quando foi apresentado formalmente em reunião da Mesa Diretora, por volta das 10h, acabou engavetado por Sarney.

Coube ao diretor-geral da Casa, Haroldo Tajra, apresentar rapidamente a proposta, como uma reivindicação antiga e legítima dos servidores. Sarney, no entanto, disse que este não é o momento de falar em aumento de salários e deu o assunto por encerrado, tendo a opinião acompanhada por outros senadores que compõem a Mesa.

Na edição de ontem, o Correio mostrou que havia indisposição entre alguns integrantes da Mesa Diretora do Senado com relação ao projeto que criava o novo plano de cargos e salários. A proposta também não é unanimidade entre os servidores. Alguns reclamam que ela favorece consultores e advogados com reajuste maior, e que, ao mesmo tempo, enxuga o valor das funções comissionadas.

Estudo Ao fim da reunião de ontem, o primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI) minimizou o episódio. ¿Há um estudo e ele tem que ser adequado à proposta da FGV (de reforma administrativa do Senado). Não há nada de concreto, nós estamos vendo as repercussões. Não existe uma proposta ainda, existem as intenções¿, disse.

A proposta a que Heráclito se refere foi feita pela fundação e apresentada por Sarney no último dia 18. Ela prevê economia de R$ 376,4 milhões ao ano, com cortes de gastos com funcionários terceirizados, redução de assessorias estratégicas e de diretorias da Casa (passariam de 41 para seis). O número de chefias também seria reduzido de 379 para 240.

Já na ocasião de apresentação do plano da FGV, Sarney disse que a criação de um plano de cargos e salários para os funcionários do Senado seria elaborado em fase posterior. ¿Vamos enfrentar um grande trabalho pela frente e, tenho certeza, o funcionalismo da Casa vai colaborar¿, afirmou.