Título: Hora de estadualizar os portos
Autor: Coelho Filho, Luiz Walter
Fonte: Correio Braziliense, 15/08/2009, Opinião, p. 25

Advogado especializado em legislação portuária e coautor do livro Abertura dos portos: 200 anos

Os portos são estratégicos para o desenvolvimento porque neles transitam 98%, em valores aproximados, do comércio exterior brasileiro. Contudo, há uma centena de projetos de ampliação das instalações portuárias encalhados na burocracia, segundo dados da própria Secretaria Especial de Portos. Como as autoridades relutam em tirar do papel para a prática os processos de licitação para escolha de novas concessionárias, as obras destinadas a atender às demandas até 2013 vão sendo adiadas e, assim, a competitividade perde terreno. Para se ter ideia do alcance da questão, basta lembrar que somente na área de contêineres ¿ um caso emblemático de deficiência ¿ a demanda por instalações portuárias dobra a cada cinco anos.

O resultado é que se criou grave impasse. De um lado, os usuários pressionando pela necessária concorrência na área portuária, premidos que são pelas crescentes elevações de custos. De outro, as concessionárias se empenhando para transformar a burocracia governamental num argumento, forte sem dúvida, para prorrogar contratos e driblar a exigência legal das licitações. Entre um extremo e outro, um fato concreto e inescapável: a existência de uma legislação clara e precisa, a exigir que a construção de terminais e armazéns seja alvo de licitações.

Diante do ambiente de antagonismos, uma alternativa prática pode ser encontrada na gradual estadualização dos portos, nos moldes do que ocorre nos dias atuais em Pernambuco. A Bahia, nesse contexto, poderia ser um ponto de partida dadas as peculiaridades locais. Hoje, os portos de Salvador, Aratu e Ilhéus são controlados pela administração federal e subordinados à Secretaria Especial de Portos, sendo o Estado prejudicado pelo atraso da infraestrutura portuária em relação aos portos vizinhos.

Vale lembrar que a Bahia possui vasto e rico território e o seu centro econômico está localizado no contorno da Baía-de-Todos-os-Santos. As zonas de influência dos portos de Salvador e Aratu praticamente coincidem com a geografia do centro econômico, variando em função da competitividade relativa com os portos de Suape, Pecém, Vitória, Rio de Janeiro e Santos. O interesse do Estado é não perder movimentação portuária e, por isso, precisa atrair rotas, navios e cargas para os seus portos, o que pode ser fortalecido pelo controle portuário.

Entre os argumentos que fundamentam tal exigência, o conflito de visão estratégica com o governo federal é o ponto mais relevante. O ministro Pedro Brito, da Secretaria Especial de Portos, já expressou o ponto de vista de que a vocação atual para porto concentrador, no âmbito do Nordeste, é de Suape, em Pernambuco, ou de Pecém, no Ceará. Considera os portos baianos de escassas dimensões, portanto, secundários no sistema portuário.

O segundo aspecto lógico é a dificuldade de conciliação da dupla influência estatal (federal e estadual). Recentemente, o governador Jaques Wagner declarou sua posição de cobrador de resultados em relação à questão da ampliação do Porto de Salvador. O governador cobra ampliação e melhoria da infraestrutura do Porto de Salvador, dragagem principalmente. Enfim, a autoridade estadual cobra porque é cobrada pela comunidade empresarial, o que resulta em conflitos políticos permanentes. Nada de concreto foi resolvido e o impasse só tem se adensado.

O terceiro aspecto é a falta de sensibilidade da administração federal em relação à questão portuária da Bahia. Brasília é distante e revela-se incapaz de captar as aspirações das pessoas, agentes públicos e empresas que dinamizam a economia baiana. Em outras palavras, a visão técnica do governo federal, mais especificamente da Secretaria Especial de Portos, é extremamente frágil diante da força dos argumentos políticos.

O porto de Suape, em Pernambuco, e o de Pecém, no Ceará, são infraestruturas construídas e controladas pelos respectivos estados. Não é por coincidência que vêm se expandindo, sendo que o primeiro ultrapassou o terminal de contêineres de Salvador. O exemplo baiano é um indicador relevante que não pode ser esquecido num processo de estadualização dos portos que, se concretizado, certamente terá ampla repercussão positiva para a economia e desdobramentos modernizadores no modelo de gestão portuária, em âmbito nacional.