Título: O futuro em jogo
Autor: Galdo, Rafael; Daflon, Rogério
Fonte: O Globo, 04/12/2011, Rio, p. 18

Governos não têm qualquer política para 3.600 jovens que deixaram o tráfico em áreas com UPP

EX-TRAFICANTE, Z. trabalha numa obra no Morro da Babilônia: o jovem, porém, é uma exceção na era das UPPs

Ele tinha 16 anos quando resolveu entrar para o tráfico. A decisão - contou o jovem, que será identificado como X. - foi influenciada pela adesão ao crime de todos os seus amigos da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Cinco anos depois, após a favela ter sido pacificada, X. trabalha como camareiro num hotel da Zona Sul. Viradas assim ainda são exceção entre os jovens que deixaram a venda de drogas após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), projeto que completa três anos no dia 19. Sem políticas públicas específicas em curso para esses egressos do crime, a maioria encontra dificuldades para reinserção na sociedade, muitos estão ociosos e outros acabaram voltando à antiga atividade. Eles compõem a "geração do limbo", como os classifica o economista Ricardo Henriques, responsável pela UPP Social, programa da prefeitura.

São pelo menos 3.600 jovens nesta situação, segundo admite a Secretaria estadual de Assistência Social. No caso de X., dois motivos o levaram a sair do tráfico: um deles, o apoio da família e da mulher; o segundo, algo pragmático.

- Com a UPP, o lucro do tráfico caiu muito. Cheguei a ganhar R$8 mil por mês. Agora, conseguiria no máximo R$800, o mesmo que consigo com carteira assinada, férias, 13º salário. Felizmente, estou trabalhando, mas tem muita gente desempregada entre meus amigos - diz ele.

"Para a polícia, não há ex-traficante"

A falta de perspectiva é também uma realidade no Complexo do Alemão, que, embora ainda não tenha UPP, está ocupado pelo Exército há um ano. No conjunto de favelas, Y. está longe do tráfico desde 2006. Nesse período, ele diz ter se deparado com muitos entraves. Mas chegou à universidade e, hoje, trabalha numa ONG que ajuda jovens a deixar a criminalidade. Apesar disso, afirma, continua malvisto pela polícia e sofrendo tentativas de cooptação por parte dos bandidos. Um obstáculo, segundo Y., enfrentado por todos que saem do tráfico.

- Para abandonar o tráfico, tive que me isolar e morar fora do Alemão. Na ótica da polícia, não existe ex-traficante. Vão continuar te caçando e achacando. Mesmo com a ocupação, é muito complicado um jovem aqui deixar o crime. Primeiro, é difícil convencê-lo de que, em vez de R$600 por semana, ele vai ganhar isso por um mês de trabalho. Muitos também são menores, não podem trabalhar. Sem apoio, ficam à toa no morro. Grande parte voltou a vender droga, no tráfico formiguinha (de pequenas quantidades) do Alemão ou de outras favelas. Um deles, de 12 anos, morreu esta semana em Niterói. Rodou pelo morro, não encontrou oportunidade e foi traficar em outra comunidade - conta Y., que nunca teve mandado de prisão contra ele.

As consequências da ociosidade de jovens egressos do tráfico preocupam até o coronel Rogério Seabra, comandante das UPPs, e o levam a fazer um alerta:

- Precisamos que o poder público e a sociedade tomem consciência da gravidade do problema. Do contrário, esses jovens passarão a ser novamente uma questão de polícia.

Na última das comunidades ocupadas para a implantação de uma UPP, a Rocinha, o líder comunitário Paulo Cesar Valério, o PC da Rocinha, viu o problema bater à sua porta. Desde a ocupação da favela em 13 de novembro, PC foi procurado por mais de 20 jovens do tráfico, que não tinham passagem pela polícia e contra os quais não havia mandado de prisão.

- Eles chegam desorientados. Não há uma política para recuperá-los. Vêm até minha casa pedir indicação de emprego. E auxílio nessa hora é fundamental. Aos 14 anos, a mãe de uma amiga me ofereceu a oportunidade de estudar e deixar o crime. Hoje, busco fazer o mesmo com quem me procura - afirma.

Enquanto o poder público não vence a inércia, algumas ações isoladas, como a iniciativa pessoal de PC, são vistas nas comunidades com UPP. No Borel, na Tijuca, a ONG Jovens Com Uma Missão encaminha egressos do crime ao mercado de trabalho. Já no Morro da Mineira, no Catumbi, até o mês passado, 32 jovens participavam de um programa de prevenção ao uso excessivo de drogas e álcool. Presidente da associação de moradores local, Ricardo Barros diz que a maioria deles era ligada direta ou indiretamente ao tráfico. Do grupo, 17 foram encaminhados para um emprego. Mas um, de 13 anos, foi preso no mês passado com maconha.

No Alemão, Alan Brum, coordenador do Instituto Raízes em Movimento, diz que as ações públicas até agora "são pontuais", sem uma política voltada para esse público. E, no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, Charles Siqueira, da ONG Instituto Polen, afirma que, nas comunidades pacificadas, ocorre uma ausência de articulação entre as ações governamentais visando à juventude:

- Há iniciativas para jovens, mas não direcionadas aos que estavam envolvidos com o tráfico. Por causa disso, muito deles, que poderiam ser facilmente recuperados, continuam sob a influência do tráfico.

Conhecido por dar oportunidades a ex-traficantes, o AfroReggae também tem acolhido um número crescente de jovens de áreas pacificadas que pedem ajuda para deixar o crime. O coordenador da ONG, José Júnior, diz que alguns são levados ao AfroReggae por policiais das próprias UPPs.

Na Babilônia, dez trabalham em obras

Júnior vê ainda uma mudança de status do tráfico no Rio.

- Até a glamourização que existia do crime mudou. Hoje, os riscos são maiores. Depois que entraram (as forças de segurança) no Alemão e na Vila Cruzeiro, elas entram em qualquer lugar. Eles (traficantes) têm que buscar outro caminho. E espero que seja o caminho do bem - diz o coordenador do AfroReggae.

No Morro da Babilônia, no Leme, um morador que é funcionário do Morar Carioca, projeto da prefeitura, já pavimentou esse caminho para dez jovens egressos do tráfico.

- Eles estão trabalhando nas obras, com carteira assinada, ganhando em média R$800. Três deles estão inscritos em cursos da prefeitura voltados para a construção civil - disse o funcionário, sem se identificar.

Um desses dez operários é Z., de 23 anos, que lembrou o seu primeiro trabalho para o tráfico:

- O começo foi quando um traficante me pediu para levar uma flor para uma mulher do morro de quem ele estava a fim. Depois, o envolvimento foi aumentando. Primeiro, pediam para eu olhar se a polícia estava por perto. Depois, colocaram uma arma na minha mão. O dinheiro era bom, e eu queria curtir. Cheguei a ganhar R$10 mil em um mês - disse Z. - Antes da UPP, o morro era movido a isso. Hoje, tenho duas filhas, não quero saber mais de crime.

Embora esteja empregado, Z. circula pela Babilônia inquieto com o futuro dos ex-traficantes que vê ociosos no morro. E cita outro problema:

- Tenho mais de 20 amigos na prisão. Como será quando eles saírem de lá?