Título: Babel dos governadores
Autor: Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 03/09/2009, Política, p. 2

Durante evento do PAC do Saneamento, líderes políticos nos estados deixam clara a dificuldade de entendimento sobre a distribuição dos futuros royalties do petróleo

Da esquerda para a direita, Wagner, Cabral, Campos e Maranhão: divergências expostas

Governadores de estados produtores e não produtores de petróleo tornaram explícitas as divergências sobre a distribuição dos royalties do pré-sal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido dos governadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo ¿ estados que concentram a maior produção do óleo ¿ não incluiu nas propostas enviadas ao Congresso a questão da divisão dos royalties. A disputa, entretanto, está deflagrada.

Ontem, em evento para anúncio de mais recursos para o PAC Saneamento, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), levantou o tom do debate. Ele afirmou que será uma ¿estupidez absoluta¿ manter os royalties apenas entre os estados produtores. ¿Que país nós queremos construir? Um país que só resta aos jovens do Nordeste, aos 18 anos, largar a família, pegar um ônibus e ir morar na periferia de São Paulo e do Rio ou um país onde as pessoas possam crescer, realizar sonhos, criar sua família onde nasceu?¿ O discurso se opõe ao dos governadores Sérgio Cabral (RJ), José Serra (SP) e Paulo Hartung (ES) ¿ sinal de que uma Torre de Babel (1)se impõe entre os políticos.

Campos afirmou ser favorável a um percentual maior de recursos para os estados produtores, mas reivindicou uma fatia para os demais. O discurso está afinado com o do Planalto, favorável a uma divisão entre todas as unidades da federação. Mas o governo prefere não se desentender com aliados e perder palanques em 2010.

Para Campos, é possível chegar a um consenso no Congresso, sem a necessidade de embate entre os estados. ¿Mas até lá, é luta, camarada¿, afirmou para o governador do Rio, na plateia. Ao todo, sete governadores participaram da solenidade ¿ dos quais cinco eram do Nordeste.

Cabral, único representante dos produtores, defendeu a manutenção do atual sistema de divisão dos royalties. O peemedebista afirmou ser justa a reivindicação dos demais governadores, mas ponderou que a própria União pode repassar parte de recursos aos estados. Isso porque o modelo de partilha, que será adotado para os blocos de pré-sal ainda não licitados, garante maior fatia de benefícios para o governo federal. De acordo com o novo modelo, será contratada a empresa que oferecer maior percentual do óleo bruto para o Estado. Assim, parte do petróleo será entregue ao governo, o que não ocorre com o modelo atual de concessão. Além desses recursos, um fundo social criado pela União vai aplicar a renda do petróleo em educação, meio ambiente e tecnologia.

O governador da Bahia, Jacques Wagner, também participou do debate. O petista argumenta que, como a prospecção do petróleo se dará a mais de 300km da costa, não é possível atribuir a um determinado estado a responsabilidade por danos ambientais ¿ razão pela qual os royalties são pagos aos estados produtores. ¿Eu não vejo motivo para esse privilégio a esse ou aquele estado, não vejo prejuízo ambiental¿, disse. Para o petista, o desentendimento sobre distribuição dos royalties não tem motivação partidária e, portanto, não colocará em lados opostos o governo e a oposição. O governador de Pernambuco, por sua vez, afirmou que o Congresso deve evitar um discussão com base no velho regionalismo.

O governador da Bahia refutou ainda a imagem de que o governo Lula mantém uma política estatizante, ao contrário das privatizações realizadas no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. ¿Não existe nada de estatizante. É que no mundo dos negócios, usa-se muito o ditado nordestino: farinha pouca, meu pirão primeiro¿, afirmou. Além de Wagner, Cabral e Campos, participaram da solenidade de ontem José Maranhão (PB), Wilma de Faria (RN), Marcelo Déda (SE) e André Puccinelli (MS).

Em entrevista à rede pública francesa, ontem pela manhã, Lula descartou a possibilidade de o Brasil fazer parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) após iniciar a exploração da camada pré-sal. O Brasil não quer ser exportador de óleo cru. O que nós queremos é aproveitar o pré-sal para que façamos uma grande indústria petrolífera, uma grande indústria naval e um grande polo petroquímico¿, afirmou. O petista negou ainda o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de novas ações da Petrobras. A intenção do governo é capitalizar a estatal com R$ 50 bilhões.

1 - Idiomas diferentes De acordo com uma narrativa da Bíblia, a Torre de Babel foi um edifício construído com o objetivo de alcançar o céu. Deus, entretanto, interrompeu o projeto ao confundir a linguagem entre os construtores da torre. A história é apresentada como justificativa para a existência de diferentes línguas. O edifício teria sido construído entre os rios Tigre e Eufrates, numa região de solo fértil.

Colaborou Denise Rothenburg

Para saber mais Inciso da Carta

A distribuição dos royalties para os estados e municípios produtores de petróleo tem como base um inciso do artigo 20 da Constituição de 1988. O texto da Carta Magna afirma ser ¿assegurada, nos termos da lei, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração¿.

Pela lei atual, os royalties são pagos aos estados produtores com alíquotas que variam de 5% a 10%, de acordo com a dificuldade enfrentada pela empresa para explorar determinada área. O pagamento dos royalties é efetuado mensalmente e entregue à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que repassa os recursos aos beneficiários, de acordo com cálculos da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A divisão dos royalties está agora em debate diante de novas regras para exploração do petróleo. A camada do pré-sal descoberta no país pode abrigar cerca de 100 bilhões de barris de óleo, o que pode dobrar a produção nacional e colocar o Brasil entre os 10 maiores produtores do mundo. Os quatro projetos que tratam do tema foram enviados ao Congresso Nacional nesta segunda-feira. As medidas, no entanto, não contemplam alterações no sistema atual de distribuição dos royalties.