Título: A cartada de Lula
Autor: Moraes, Diego; Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 04/09/2009, Política, p. 2

Petista insiste em manter tramitação de urgência do marco regulatório para reforçar a ideia de desenvolvimento nacional

Múcio, Lula e Temer: estratégia do presidente é deixar para a oposição o ônus pelo entrave na tramitação do pré-sal

Ao decidir pela manutenção do regime de urgência no marco regulatório do pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pensou em algo mais do que ver os projetos aprovados no Congresso no início do ano que vem. Em meio à reação de tucanos, democratas e do PPS, que decidiram cruzar os braços em plenário devido à pressa do governo, Lula percebeu a oportunidade de usar o tema para colocar os adversários contra a opinião pública e, com isso, tentar constranger os oposicionistas às vésperas do ano eleitoral.

O objetivo é levantar a bandeira de que a oposição, ao supostamente atrapalhar a votação das propostas que regulamentam a exploração das reservas de petróleo na camada pré-sal, age de forma antipatriótica ou contra os interesses do povo brasileiro. Lula também tenta reeditar a estratégia que usou no segundo turno da corrida presidencial de 2006, quando usou como trunfo a insinuação de que o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa caso vencesse o páreo.

O presidente quer fortalecer a ideia de que a exploração do pré-sal é uma estratégia de desenvolvimento nacional, e não apenas um fato político para alavancar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República, como pregam os oposicionistas. Com isso, o petista espera reunir mais munição para colocar os adversários contra a parede. ¿Seria como dizer que os oposicionistas querem barrar um projeto de grande importância para o país unicamente para não perder a eleição¿, avaliou um líder governista.

Depois que até legendas da base aliada sugeriram que o governo recuasse na urgência para os projetos do pré-sal, Lula convocou os líderes para uma conversa na manhã de ontem e deixou clara a posição de que não voltaria atrás. ¿Ele já começou dizendo: temos que correr porque serão 45 dias na Câmara e 45 dias no Senado¿, relatou um deputado. O presidente referiu-se ao prazo de 90 dias para a votação de propostas em regime de urgência.

Coro afinado Os líderes governistas no Congresso saíram do encontro com o discurso afinado. ¿O assunto é urgente, é relevante, ele já vem sendo debatido pela sociedade, pelo Congresso Nacional, desde que a Petrobras anunciou a descoberta¿, afirmou a líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC). ¿A Petrobras precisa ser capitalizada, os investimentos precisam ocorrer, e o novo marco regulatório é uma forma de preservar os interesses estratégicos do Brasil¿, defendeu o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP).

O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), chegou a desafiar a oposição ao dizer que a obstrução no plenário é apenas artimanha para barrar a votação do projeto. ¿Até agora, não vi a oposição discutir o mérito dos projetos¿, provocou. A expectativa do governo é ver os projetos aprovados no Congresso até abril do ano que vem.

Oposição promete reagir

A oposição promete reagir à estratégia do governo e quer mostrar que a pressa de Lula para votar o pré-sal é apenas uma forma de garantir uma bandeira política robusta para a ministra Dilma Rousseff na campanha de 2010. O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), diz que os oposicionistas aprenderam com o erro da eleição passada. ¿Essa história não se repete, a não ser como farsa. Quem quer desvirtuar o projeto é o governo, passando a ideia de que o pré-sal vai dar resultados na semana que vem. A gente conhece bem as espertezas do Lula¿, afirmou.

O plano dos oposicionistas é justamente fortalecer o argumento de que não é preciso aprovar o marco regulatório tão rapidamente porque a extração em escala comercial na camada pré-sal, a 7 mil metros de profundidade na costa entre Espírito Santo e Santa Catarina, ainda deve levar alguns anos. O governo estima haver entre 9,5 bilhões e 14 bilhões de barris de petróleo na região.

¿O que traria hoje de negativo votar essa matéria em seis meses ou mais e não em 90 dias como quer o governo? Para o país não traria nada, já que isso é coisa para 2022. Mas para Dilma seria o fim porque vai faltar uma bandeira no ano que vem para ela levantar na campanha¿, rebate o líder do Democratas na Câmara, Ronaldo Caiado (GO). Ele avalia que a estratégia de colocar a opinião pública contra a oposição não deve funcionar porque o pré-sal ainda não é um tema popular. ¿As pessoas estão mais preocupadas com as mortes por gripe suína. A preocupação com o pré-sal está à mesma distância que a profundidade do petróleo¿, ironiza.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou ontem que a decisão do governo de manter o regime de urgência é ¿autoritária¿. ¿Acho que o que deve unificar o esforço de todos nós é a conquista do espaço do Congresso. Não vamos entrar no mérito dessa discussão antes de ter certeza que vamos poder interferir nela¿, disse. (DM)

Vestindo a camisa Cadu Gomes/CB/D.A Press - 18/10/06

No segundo turno das eleições de 2006, Lula usou o ataque às privatizações como principal arma contra o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, e chegou a dizer que o tucano privatizaria a Petrobras e o Banco do Brasil. Alckmin até apareceu com a camisa e o chapéu do BB, mas a estratégia do PT foi fundamental para ajudar Lula a se distanciar do concorrente nas pesquisas.

Um tom mais abaixo

Denise Rothenburg

Para facilitar a tramitação do pacote de projetos que compõem o marco regulatório da exploração de petróleo na camada pré-sal e deixar o assunto no leito governo versus oposição, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), baixou o tom no que se refere à distribuição dos royalties do petróleo entre todos os estados da Federação. Ele telefonou ontem às 8h30 para o presidente Lula a fim de apelar pela manutenção da urgência na apreciação das propostas no Congresso. Mas terminou convencido a deixar o debate dos royalties para depois: ¿Esse assunto, que transforma a discussão numa questão regional, pode perfeitamente ficar para depois. O que nos interessa neste momento é discutir o modelo de exploração¿, afirmou o governador ao Correio.

Com esse tema em segundo plano, a intenção do governo é dar aos líderes maior poder de comando a fim de unificar o discurso de suas bancadas. E, essa posição mais homogênea, associada à manutenção do regime de urgência, vai obrigar todos os partidos a exporem, às vésperas da eleição, o modelo de exploração de petróleo do pré-sal que desejam. ¿Um partido não pode concorrer à Presidência do Brasil sem ter posição sobre o modelo de exploração de petróleo que deve ser seguido. Isso vale também para o setor elétrico, para questões de fundo, como câmbio¿, cobrou Eduardo Campos.

Herança A ideia é usar o marco regulatório do pré-sal como um legado do presidente Lula a ser apresentado nas eleições do próximo ano. Na reunião de ontem entre Lula e os líderes, o deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) lembrou que, durante a campanha de Lula pela reeleição, foi justamente o discurso sobre a Petrobras que fez aumentar a distância para o então candidato do PSDB, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Agora, os governistas esperam que o efeito seja o mesmo.