Título: ONU debate saída de Assad
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Fonte: O Globo, 28/01/2012, O Mundo, p. 36

Conselho de Segurança tenta driblar oposição russa a plano de Liga Árabe; 137 morrem em 2 dias

AFP

AP

Sem sucesso na tarefa de desafiar o governo do presidente Bashar al-Assad através de uma missão de observadores para fiscalizar um plano de paz na Síria, a Liga Árabe ignorou a oposição de alguns de seus integrantes e, mesmo rachada, pediu ajuda. E a nada menos do que ao Conselho de Segurança das Nações Unidas - onde os 15 países-membros se debruçaram ontem sobre um anteprojeto apresentado pelo Marrocos para acabar com a crise e a violência - que cresceu e fez pelo menos 137 vítimas em várias cidades sírias nos últimos dois dias. Embora analistas acreditem que um endosso árabe a uma ação no âmbito da ONU seja um avanço diplomático de peso, há, ainda, outro entrave a ser superado: a oposição declarada de China e Rússia, donas de poder de veto na instituição.

A base do anteprojeto em debate é a mesma da proposta da Liga Árabe recusada pelo governo de Damasco na semana passada. O plano determina que Assad transfira o poder a seu vice e forme um governo de unidade, transitório, "visando a um sistema político democrático e plural, com eleições livres e transparentes num prazo de dois meses". O texto sofreu alterações, como a ausência de menções a sanções econômicas, para recrutar o apoio da diplomacia de Moscou. Um esforço infrutífero até agora - embora o embaixador russo na ONU, Vitaly Churkin, disse estar disposto a "se engajar em negociações".

Sob todo o impasse diplomático, opositores atacaram a Embaixada da Síria no Egito após os relatos de verdadeiros massacres do Exército nas cidades de Hama e Homs, bem como em vários pontos da província de Idlib. Na quinta-feira, já havia registro de 34 mortes no país. Ontem, o número pulou para pelo menos 102 - sendo que dez dessas mortes ocorreram em Aleppo, a segunda maior cidade do país, que dá os primeiros sinais de ter entrado na espiral de violência.

Em Homs, um bombardeio matou dez crianças no bairro de Karm al-Zaitun, segundo ativistas. Tanques do Exército também abriram fogo contra os bairros de Baba Amr e Inshaat. Preocupado, o Unicef lembrou ontem que 384 crianças já morreram nos confrontos.

- A cidade está completamente paralisada. Ninguém sai de casa a não ser por uma emergência; as pessoas sabem que estão arriscando suas vidas - relatou um morador.

Na cidade de Idlib, seis soldados morreram na explosão de carro-bomba junto a um posto de controle. Em Duma e Harasta, nos arredores de Damasco, moradores relataram a forte presença das forças de segurança nas ruas.

Grupo opositor diz

ter apoio saudita

A expectativa é a de que o Conselho de Segurança vote uma resolução no início da semana. O secretário-geral da Liga Árabe, Nabil el-Araby, e o premier do Qatar, Hamad bin Jassim al-Thani, chegam hoje a Nova York para reforçar a pressão diplomática. Ontem, um representante do Conselho Nacional Sírio (CNS), maior bloco opositor, disse ter promessas de reconhecimento da Arábia Saudita - embora Riad não confirme a informação.

- O chanceler saudita, príncipe Saud al-Faisal, disse a uma delegação do CNS no Cairo, na semana passada, que o reino vai nos reconhecer oficialmente como único representante legítimo do povo sírio - assegurou Ahmad Ramadan ao jornal kuwaiti "al-Rai".

O aceno russo para uma negociação foi um alento. Mais cedo, o vice-chanceler russo, Gennady Gatilov, tinha condenado a exigência da saída de Assad como pré-condição. Ele acusou a ONU de ignorar um anteprojeto russo de condenação à Síria apresentado no mês passado. O documento pedia que o presidente implementasse reformas e exigia o reconhecimento de que opositores também são responsáveis pelo banho de sangue na Síria - sendo considerado brando demais pela diplomacia ocidental. Uma das preocupações de Moscou é o fato de que o texto hoje em discussão não descarta explicitamente uma ação militar no futuro, um vez que dá um prazo de 15 dias para Assad implementar as resoluções ou enfrentar "novas medidas".

- Que novas medidas são essas? Esta é a nossa dúvida - disparou o vice-chanceler.

Na contramão da lealdade russa, no entanto, Assad perdeu outro aliado - o líder do Hamas, Khaled Meshaal, abandonou Damasco.