Título: Juros têm espaço para cair
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 08/09/2009, Economia, p. 14

Economista prevê corte de mais 0,5 ponto na Selic. Na Suíça, Meirelles garante que governo não terá que socorrer sistema bancário

Para Thadeu Filho, inflação sob controle facilita política monetária

Um ano depois do estouro da crise mundial, o Brasil ostenta um feito e tanto: convive, sem pressões inflacionárias, com a menor taxa de juros da história: 8,75% ao ano. Desde janeiro último, a taxa básica da economia (Selic) recuou cinco pontos percentuais. Há uma semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu interromper o processo de baixa. Mas, na avaliação do economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu Filho, ainda há espaço para um recuo de pelo menos 0,5 ponto percentual. ¿Com a inflação se mantendo comportada, como vejo, a Selic pode cair 0,25 ponto em outubro ou dezembro deste ano e outro 0,25 ponto no início de 2010¿, disse.

Na avaliação de Thadeu, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas de inflação, fechará tanto este ano quanto o próximo abaixo dos 4,5% perseguidos pelo BC. ¿Não há pressões inflacionárias à vista. Tudo está conspirando a favor do BC. Os preços administrados (tarifas públicas) ficarão muito baixos, o dólar continuará fraco e os alimentos não devem apresentar grandes oscilações¿, frisou. ¿Portanto, não será surpresa se, em algum momento, o processo de baixa dos juros for retomado¿, assinala. A redução dos juros para combater os efeitos recessivos da crise mundial foi registrada em pelo menos 40 países.

Para o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, a tendência é de a Selic permanecer estável até o fim de 2010. Mas, apesar de não ver sinais de alta da inflação, talvez o BC seja obrigado, ao longo do ano que vem, a recolher parte dos R$ 100 bilhões que liberou para os bancos no auge da crise. O dinheiro voltaria para o colchão de liquidez montado pelo BC para momentos de estresse. Os recursos são recolhidos compulsoriamente pelo sistema financeiro junto à instituição com base nos depósitos feitos pela clientela bancária. ¿Em ano de eleição, é mais fácil mexer nos compulsórios do que elevar a taxa de juros¿, destacou.

Segundo Lia Valls Pereira, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), mais importante do que a Selic continuar caindo é o crédito baratear. A despeito da ação do BC, os bancos, especialmente os privados, continuam resistentes em reduzir os custos dos empréstimos a empresas e aos consumidores. O aumento do crédito é fundamental para a retomada mais forte do crescimento econômico do país. Pelos cálculos do BC, os financiamentos às pessoas físicas retomaram o fôlego e voltaram aos níveis pré-crise (veja quadro nesta página). Agora, a hora é de irrigar o caixa das empresas, seja para capital de giro, seja para investimentos.

Sem ajuda Na opinião do presidente da consultoria Macroplan, Cláudio Porto, o fato de o crédito ter voltado tão rápido no Brasil decorreu da solidez do sistema financeiro, uma tranquilidade num momento em que os presidentes dos 25 maiores bancos centrais do mundo fecham um acordo para impor restrições à atuação do mercado global e exigir reforço de capital das instituições. Em entrevista ontem na Basileia, Suíça, o presidente do BC brasileiro, Henrique Meirelles, garantiu que não existe o risco de o governo usar dinheiro público para salvar bancos em um futuro previsível. Por isso, o mercado está tranquilo no Brasil.

A seu ver, no entanto, o BC precisa dispor de instrumentos para agir nesse sentido, se preciso for. ¿A conclusão é de que o BC deve ter poderes de fazer intervenções sistêmicas e usar recursos públicos para defender a estabilidade financeira se for necessário¿, disse Meirelles. Ele reconheceu que, da forma como a lei está hoje, não é permitido o uso de dinheiro do Tesouro Nacional para socorrer bancos em dificuldades. O BC pode somente fazer empréstimos com garantias, e não a fundo perdido. ¿Mas não vejo isso como problema. Acredito que o modelo brasileiro é adequado¿, frisou. Qualquer mudança terá que ser avaliada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e submetida à aprovação do Congresso Nacional ou por medida provisória.

Bancos resistem a aperto das regras

Depois de fazer estripulias no mercado imobiliário dos Estados Unidos, que levaram à crise que, há um ano, atormenta o mundo, finalmente os bancos terão que seguir regras mais duras, reforçando o capital e limitando o pagamento de bônus a seus executivos. O enquadramento do sistema financeiro mundial foi fechado por meio de um acordo entre os presidentes dos 25 maiores bancos centrais (BCs) do planeta. As novas regras de supervisão devem ajudar a aliviar ciclos de altos e baixos do sistema financeiro e prevenir a formação de bolhas especulativas, como a que levou à quebra do quarto maior banco de investimento americano, o Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008.

Esses novos padrões, no entanto, abriram mais uma frente de batalha entre europeus, americanos e países emergentes. A polêmica está, principalmente, no ponto em que se define o que são ¿instituições sistêmicas¿, que serão obrigadas a receber um reforço de capital para não contaminar os demais bancos. Há o temor de que, ao levarem a tarja de ¿em perigo¿, as instituições fiquem sem crédito e não consigam ser salvas. Esse alerta foi feito por bancos alemães, franceses e ingleses. O detalhamento dos novos limites para o sistema financeiro será feito até o fim do ano. Em 2010, os governos começarão a aplicar as regras e, no ano seguinte, o acordo estará plenamente em vigor.

Para o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, o aperto nas regras para os bancos é vital, pois, se nada for feito, haverá o risco de novas bolhas se formarem, levando a outras crises. ¿Nós precisamos evitar todos os tipos de bolhas. Não podemos falhar por falta de atenção, sobretudo aos riscos anormais que são tomados (pelos bancos), que preparam o caminho para bolhas anormais de crédito e ativos. Temos de manter a cautela. As incertezas são grandes¿, frisou, segundo a agência Reuters. De acordo com ele, a perspectiva para a economia global melhorou. Mas os responsáveis pela política monetária (de juros) não podem se dar ao luxo de serem complacentes. E têm que pressionar por reformas a fim de fortalecer o sistema financeiro. ¿Precisamos preparar o caminho para retirar todas as lições do que observamos no passado e evitar precisamente os fenômenos de altos e baixos que temos notado¿, disse.

Trichet ressaltou ainda que o sentimento entre os banqueiros centrais reunidos na cidade de Basileia, Suíça, em paralelo ao encontro do G-20 em Londres, foi marcado por um otimismo maior, mas também de cautela. A seu ver, uma grande parte da economia global provavelmente não está mais em queda livre, e os indicadores mais recentes têm ficado acima do esperado. Mas é cedo para relaxar.

Brasil pagou mais caro Ron Edmonds/AP -24/2/04 Greenspan alerta que bancos dos EUA precisam de reforço de capital

O Brasil gastou o equivalente a 5,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em incentivos fiscais para tirar a economia da recessão provocada pelo estouro da bolha imobiliária americana. Trata-se de um custo, em termos percentuais, maior do que o arcado pelos Estados Unidos (5,5%), França (1,5%), Reino Unido (1,9%), Japão (4,7%) e a média dos países emergentes (4,7%) em pacotes de ajuda ao setor produtivo. As comparações foram feitas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que considerou, porém, as ações governamentais essenciais para evitar o colapso total da economia global.

Essa avaliação também foi feita pelos presidentes dos 25 maiores bancos centrais (BCs) do mundo, que se reuniram na Basileia, Suíça. Eles concluíram que a economia mundial dá claros sinais de estabilização. ¿A conclusão do encontro é de que já há sinais de que o fim da recessão está se aproximando¿, disse o presidente do BC brasileiro, Henrique Meirelles. Esse sentimento, no entanto, não significa que chegou a hora de baixar a guarda e de reverter os incentivos dados pelos governo. Na opinião de Meirelles, o planeta encara, agora, um quadro de alto risco e de incertezas, pois o sistema financeiro global ainda não voltou à normalidade e seria imperdoável permitir uma nova crise.

Para Meirelles, existem hoje dois grupos de países. De um lado, estão os que apresentam sinais de que o fim da recessão está próximo, mas nos quais existe o risco de um novo tombo. De outro, estão os países em que se reconhece a trajetória de recuperação mais sólida. É desse grupo que faz parte o Brasil, cujo Produto Interno Bruto (PIB) cresceu até 2,2% no segundo trimestre ante o primeiro ¿ o número oficial será divulgado na próxima sexta-feira.

Inflação Outro foco de preocupação é com os bancos, especialmente os da Europa e dos Estados Unidos, que ainda não reconheceram todas as perdas que tiveram a partir do estouro da bolha imobiliária americana. Várias instituições de pequeno e médio portes dessas regiões não tiveram o capital reforçado nem foram submetidas aos chamados testes de estresses para conferir se conseguem passar por novas turbulências. Segundo Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed), o BC dos EUA, os bancos americanos não escaparão de um novo reforço de capital. ¿Eu acredito que o sistema financeiro precisa de um amortecedor maior do que tem atualmente¿, afirmou, conforme a Reuters.

Ele ressaltou, porém, que os BCs terão de ser cuidadosos quanto ao desmonte das políticas monetárias e de injeção de capital nos bancos. A reversão terá de ocorrer antes que o mundo volte a se defrontar com a inflação. Por enquanto, segundo ele, a inflação deve cair até a primeira parte de 2010.

Caixa forte

O fim das receitas inflacionárias logo depois da edição do Plano Real, em 1994, provocou uma onda de quebradeira de bancos no Brasil. O governo foi obrigado a socorrer uma série de instituições privadas, por meio do Proer, e públicas, pelo Proes. O Banco Central ainda tem a receber quase R$ 30 bilhões da ajuda que deu ao sistema e o Tesouro Nacional lançou como perdidos mais de R$ 100 bilhões. (VN)

Crédito aos consumidores

Ação dos bancos públicos foi fundamental para manter oferta de recursos durante a crise Ago/08 375,208 Set/08 384,329 Out/o8 391,161 Nov/08 391,004 Dez/08 394,287 Jan/09 399,192 Fev/09 403,793 Mar/09 410,968 Abr/09 416,792 Mai/09 428,160 Jun/09 435,092 Jul/09 442,306

Fonte: Banco Central

Lula diz que G-20 é lento

» O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o G-20 (grupo de reúne as 20 maiores economias do mundo) está sendo lento ao definir a reforma do sistema financeiro mundial. Ao repercutir os desdobramentos da crise em encontro com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, ontem, em Brasília, Lula também disse que o Brasil cobrará aumento de poder de voto no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial para os países em desenvolvimento. Na reunião com Sarkozy, ele avaliou que seria prematuro que os países atingidos pela crise abandonassem as políticas de combate à crise, apesar das indicações otimistas sobre a recuperação da economia no segundo semestre. ¿Ficou claro que o mundo não pode sobreviver a uma terceira onda de especulação, como essa que vivemos. O mundo não pode esquecer o que aconteceu no ano passado¿, advertiu.