Título: Ação contra erro em indenizações
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2009, Política, p. 2

Servidores entrarão na Justiça na tentativa de esclarecer suposta fraude em decreto da década de 1970. Até hoje, o texto regulamenta planos de desligamento voluntário no funcionalismo

Francisco de Assis Meneses, na foto com a mulher e as filhas, aderiu a plano de demissão voluntária em 1995: ¿Não tive equilíbrio para montar algo que me mantivesse¿

A Associação Brasileira de Previdência (Abraprev), que representa ex-participantes de fundos de pensão, prepara duas ações na Justiça na tentativa de recuperar direitos que teriam sido perdidos em decorrência de uma suposta fraude em decreto assinado pelo então presidente Ernesto Geisel, em 1978. O decreto teria sido retificado cinco meses mais tarde sem a assinatura do presidente da República. Documentos enviados pela Casa Civil da Presidência da República à Câmara dos Deputados, no fim de julho, também mostram indícios de que o decreto original (nº 81.240) teria sido rasurado.

Em ação civil pública contra os fundos de pensão que promoveram planos de demissão voluntária nas últimas décadas, a Abraprev vai defender que houve ¿enriquecimento sem causa¿ dessas entidades, pela ¿apropriação da reserva matemática (direito acumulado dos participantes para aposentadoria futura) dos participantes¿. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a associação vai apresentar ação declaratória de nulidade da retificação que alterou o Decreto nº 81.240/1978. Segundo avaliação da Abraprev, a União seria responsável pelos prejuízos dos ex-servidores, porque a suposta fraude teria ocorrido dentro da Presidência da República.

Os ex-servidores de estatais têm vencido algumas ações de menor porte contra os fundos de pensão, mas perdem sistematicamente quando reivindicam a metade da contribuição efetuada pelo órgãos patrocinadores. O STJ já aprovou 54 decisões colegiadas contra esses servidores e 3.548 decisões monocráticas (tomadas pelo relator dos processos), com base na Súmula 290 do tribunal. Essa súmula baseia-se na Lei nº 6.435/77 e no Decreto nº 81.240/78, aprovados durante a ditadura militar.

Recuperação

Pelo decreto original, assinado por Geisel em caso de saída voluntária e antecipada de entidades de previdência privada, o beneficiário teria direito à restituição de 50% das contribuições feitas (incluindo as patronais). Com a retificação feita, quem aderiu aos programas de desligamento voluntário na década de 1990 recebeu apenas a metade das próprias contribuições, o que corresponde a 16,5% de todas as contribuições feitas.

O ex-funcionário do Banco do Brasil Francisco de Assis Meneses, 54 anos, afirma que recebeu apenas R$ 65 mil da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), além de compensações financeiras do Banco do Brasil. Ele avalia que deveria ter recebido em torno de R$ 265 mil. As associações de ex-funcionários do BB afirmam que a Previ terá que pagar cerca de R$ 20 bilhões a ex-participantes do fundo se for anulada a retificação do decreto presidencial.

A denúncia da suposta fraude foi feita pela Abraprev na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Em seguida, o deputado Celso Russomanno (PP-SP) apresentou requerimento de informação à Presidência da República solicitando cópia dos documentos que resultaram na retificação do Decreto nº 81.240/78. Segundo afirma o deputado, os documentos encaminhados pela Casa Civil evidenciam duas irregularidades: ¿Primeiro, o decreto original foi rasurado. Segundo, o documento que retifica o decreto presidencial não tem a assinatura do presidente da República¿.

Em aviso enviado ao então ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Golbery do Couto e Silva, em 15 de junho de 1978, o então ministro da Previdência Social, Luis Gonzaga do Nascimento e Silva, solicitou a retificação do decreto presidencial, alegando que teria havido um ¿erro de remissão¿ no parágrafo 2º do artigo 31. Pediu a substituição da expressão ¿item VII¿ por ¿item VIII¿. Os documentos encaminhados à Câmara mostram, porém, que, no decreto original, o parágrafo 2º já está com a expressão ¿item VIII¿. Há sinais de que houve rasura no documento.

Datilografia No decreto original, assinado pelo então presidente Ernesto Geisel, o parágrafo 2º do artigo 31 já vem com a expressão ¿item VIII¿. O pedido de retificação deixa claro que ali deveria estar a expressão ¿item VII¿. Fica evidente que os algarismos romanos ¿VIII¿ foram datilografados com outra máquina, com tipografia diferente daquela usada no decreto original. Até a vírgula que vem depois do número romano é diferente das datilografadas no restante do texto. O espaço entre as palavras é menor onde teria ocorrido a rasura.

Serviços eventuais

¿O dinheiro sumiu. Não consegui montar nada¿, lamenta o ex-funcionário do Banco do Brasil Francisco de Assis Meneses. Ele recebeu R$ 65 mil da Caixa de Previdência do Banco do Brasil (Previ). Na época, recebia um salário de R$ 3,9 mil ¿ o equivalente a cerca de R$ 10,2 mil hoje. ¿Não tive equilíbrio para montar algo que me mantivesse¿, acrescenta o ex-servidor. Hoje, ele ganha a vida fazendo serviços eventuais na área de publicidade. A renda mensal média fica em torno de R$ 1,5 mil, quando há emprego.

As filhas, já adultas, Rebeca e Priscila, não tiveram dinheiro para cursar a universidade. A mais velha, Priscila, de 23 anos, precisava trabalhar para ajudar nas despesas da casa. Meneses afirma que chegou quase ao desespero. ¿Cheguei a pensar em suicídio. Mas não tive coragem.¿ Ele afirma que foi a ¿fé em Deus¿ que lhe deu forças para resistir. Francisco lembra os casos de outros ex-colegas que cometeram o suicídio. ¿Dizem que foram 28 casos, mas esses são apenas os registrados oficialmente.¿

Meneses afirma que o BB teria prometido orientação e apoio financeiro aos desligados voluntariamente, mas essa ajuda não teria ocorrido. ¿Ajudaram a montar currículo, mas não deram apoio financeiro nem orientação para montarmos um negócio.¿ A redução drástica da sua renda trouxe também outro problema: ficou sem dinheiro para pagar a prestação do apartamento onde mora com a família, na SQN 111. Quando parou de pagar o imóvel financiado pelo Previ, o valor da prestação era de R$ 800. Hoje, a prestação está em cerca de R$ 1,6 mil ¿ superior a sua renda mensal. Grande parte dos ex-participantes dos fundos de pensão vive essa dificuldade.

A Previ afirmou ao Correio que concedeu aos participantes todos os benefícios previstos no regulamento da instituição. O Banco do Brasil afirma que ofereceu treinamento para ex-funcionários a fim de que se adaptassem aos novos empreendimentos. O banco diz ainda que as demissões eram imprescindíveis para manter a eficiência diante da nova realidade do mercado. (LV)