Título: Tarso apela para futuro de asilados
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 11/09/2009, Brasil, p. 8

Preocupado com a tendência do julgamento de ex-ativista, ministro diz que decisão pode colocar em risco situação dos atuais refugiados

Tarso diz que decisão será respeitada, mas alerta: ¿Abre um precedente grave na relação entre os poderes¿

Os 4.153 atos de refúgio político concedidos pelo Ministério da Justiça desde 1998 até hoje viraram alvo de uma polêmica antes mesmo do fim do julgamento do ex-ativista italiano Cesare Battisti pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Condenado à prisão perpétua na Itália, Battisti está preso desde 2007 na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Do Chile, o ministro da Justiça, Tarso Genro, avalia que, caso a extradição seja confirmada ¿ por enquanto, o placar está 4 x 3 pela extradição ¿, todos os outros refúgios poderão ser contestados. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, nega essa possibilidade. Até o fim do julgamento, a disputa, que antes era sobre a soberania entre os dois países, agora segue para o plano da independência dos poderes. Minimizando a crise, o STF diz que cabe ao Judiciário a última palavra sobre os atos administrativos do Executivo.

De acordo com o Ministério da Justiça, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) deferiu 2.231 solicitações de refúgio nos últimos 10 anos. Outras 2.758 foram negadas. Entres os recursos, 29 foram providos e 1.134, não. Assim como aconteceu com Battisti, o ministro Tarso Genro concedeu 25 despachos depois da negativa do Conare. A maioria dos refugiados que vive hoje no Brasil é da Angola, Colômbia, República Democrática do Congo, Libéria, Iraque e Cuba (leia o quadro).

¿O que alguns ministros estão defendendo é que este poder (de conceder o status de refúgio) seja avocado pelo Judiciário e isso significa que se isso se tornar maioria, todos os outros pedidos de refúgio poderão ser analisados pelo Supremo, que pode julgar nulo ou não. É uma decisão que terá grandes consequências¿, destacou o ministro da Justiça, rebatendo também as críticas do relator do processo, ministro Cezar Peluso, de que o despacho feito pelo chefe da pasta é ¿ilegal¿ e nulo. Genro alega que o placar ¿empatado¿ do julgamento mostra que seu trabalho não pode ser desqualificado e o parecer do relator do caso Battisti foi ¿equivocado¿. O voto, segundo o ministro, foi ideológico. Apesar de não ter acompanhado o julgamento, Genro comentou o fato de Peluso ter mudado o tom de voz durante a leitura do voto e não ter dado clareza ao seu despacho. Em defesa, Peluso disse que o que fez foi dar a sua interpretação diante dos fatos.

Voto histórico

Gilmar Mendes defendeu Cezar Peluso. ¿O ministro Peluso fez um voto com mais de 130 páginas esmiuçando todo o debate, entrando em todas as questões, examinando de forma percuciente a própria decisão administrativa do Conare, do Ministério da Justiça. Acho que foi um voto realmente histórico¿, elogiou.

Tanto o Executivo quanto o Judiciário afirmam que o julgamento ainda não está definido, apesar de a tendência apontar para a extradição. O principal motivo é terem considerados que os crimes de Battisti são comuns e não políticos. Para Genro, a postura do governo italiano e a pressão exercida, inclusive pelo embaixador daquele país no STF, mostram que os crimes tiveram fundo político.

¿Seja qual for a decisão, vai ser respeitada. Mas é necessário dizer que abre um precedente extremamente grave no balanço, na relação equilibrada entre os poderes da República¿, ressaltou o ministro da Justiça, completando que essa é a verdadeira discussão que, no fundo, envolveu o debate dos ministros. Depois de julgar o destino de Battisti, o STF terá que decidir se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é quem deve extraditar o ex-ativista e se ele poderá escolher a data.

O ativista italiano, ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), afirma ser vítima de perseguição política em seu país e que não teve um processo justo. Já o governo italiano rechaça esses argumentos dizendo que ele foi submetido a diversas instâncias judiciárias e condenado em todas.

QUANTOS SÃO?

O país tem atualmente 4.153 refugiados.

Por continente África: 2.711 América: 912 Ásia: 412 Europa: 118

Nacionalidades Angola: 1688 Colômbia: 557 República Democrática do Congo: 364 Libéria: 259 Iraque: 189 Cuba: 129

Ponto crítico

O Supremo Tribunal Federal deve participar do debate sobre refúgio político?

SIM

O ministro Cezar Peluso foi muito eficaz na sua argumentação, no sentido de mostrar que não havia possibilidade de se indicar que os crimes cometidos tinham uma relação imediatamente política. O Conare, aliás, decidiu justamente nesse sentido.

No Brasil, nós estamos vivendo um momento muito delicado de intervenção dos poderes, desrespeitando sua atribuição própria. No caso da Justiça, se percebe uma intervenção cada vez maior em procedimentos políticos. De outro lado, você tem um Legislativo tentando controlar a ação do Judiciário e o Executivo legislando, através de medidas provisórias. É uma situação singular na história.

Mas há um segundo ponto: não existe soberania do Executivo. A soberania é do Estado e, portanto, partilhada pelos três poderes conjuntamente. Se o Judiciário toma uma atitude, e essa atitude é entendida como um atentado contra a soberania do Estado, o Executivo pode reagir. São três poderes que operam juntos: não se pode atentar contra a estrutura da República. A posição do ministro Peluso foi muito mais próxima do fato e da lei do que nós assistimos no julgamento do Palocci.

Muitas pessoas que defendem a permanência do Battisti no Brasil lembram lideranças de extrema direita que foram acolhidas aqui. No caso do Battisti é preciso provar com fatos, não com retórica, que os crimes foram políticos. E aí fica muito difícil.

Roberto Romano, professor de filosofia da Unicamp

NÃO

O Supremo vai decidir algo que é eminentemente político. O refúgio é um ato político, de decisão do presidente da República. E isso pode abrir um precedente perigoso no estado moderno de direito, porque judicializa aspectos políticos. Outros países podem requerer novamente uma análise do Supremo em casos de refúgio concedidos pelo Brasil. Havia um pedido de extradição da Itália dizendo que Cesare Battisti cometeu um crime comum ¿ e pelos tratados de extradição, o Brasil deveria remetê-lo. A análise do ministro da Justiça é de que foram crimes políticos.

A decisão do Supremo entra numa seara política. Quando se pede o refúgio, quem decide é o Comitê Nacional para Refugiados (Conare). E o Conare negou o refúgio de Battisti. Ele recorreu para uma decisão do ministro Tarso Genro, o que é comum. E o ministro da Justiça está falando em nome do presidente da República.

A própria Constituição estabelece que a decisão de conceder refúgio é um ato de Estado, e não jurídico. O debate do refúgio se dá pela segurança dos direitos humanos. Se a dignidade humana prevalece na nossa Constituição, ela prevalece a qualquer ato que venha cercear o direito de liberdade.

O ministro entrou no mérito se o crime que Battisti cometeu na época era político ou não. Na época da ditadura, muitos opositores fizeram assalto em banco. Esse assalto é político ou crime comum? Isso parte de uma concepção, de uma decisão política.

Marthius Lobato, professor do departamento de direito da Universidade de Brasília (UnB)

Permanência na cadeia questionada Breno Fortes/CB/D.A Press - 19/3/07 O italiano Cesare Battisti, quando foi preso: dois votos vão definir pela extradição ou não, um de Gilmar Mendes, outro de Marco Aurélio Mello

A situação de Cesare Battisti, que continua na Penitenciária da Papuda desde janeiro, quando recebeu o status de refugiado, é considerada ilegal pelo Ministério da Justiça. Para o ministro Tarso Genro, a legislação prevê que depois da concessão do refúgio, o processo de extradição é suspenso.

¿O senhor Battisti está preso ilegalmente desde que o Supremo Tribunal Federal não concedeu sua liberdade após o refúgio. O Brasil tem um prisioneiro político ilegalmente. Ele é sim um criminoso político e não um criminoso comum¿, destacou Tarso.

Questionado se tem o mesmo entendimento, o presidente do STF, Gilmar Mendes, discordou do ministro da Justiça. ¿Essa é uma premissa a partir do momento em que ele entende que a lei do refúgio, que manda encerrar a extradição, deveria ter sido observada. Nós estamos dizendo que a lei deve ser cumprida desde que haja regular concessão do refúgio¿, ponderou.

Prazo

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, que pediu vista do processo de extradição de Cesare Battisti, deve entregar em duas semanas seu voto. Após a formalização do parecer de Mello, o STF poderá retomar o julgamento. Ao comentar seu pedido de vista, que levou à suspensão do julgamento faltando apenas dois votos, o ministro ironizou: ¿Pedi vista para abrir o embrulho e ver o que tem dentro dele¿.

O prazo regimental para o pedido de vista é de 10 dias corridos depois que o processo chegar ao gabinete do ministro. Mas como quase nunca é seguido à risca, não há previsão de quando o julgamento será retomado. É possível que até lá, a vaga deixada por Carlos Menezes Direito, morto na semana passada, tenha sido ocupada ¿ o que poderia alterar o cenário da votação. Entre os ministros do Supremo, há quem avalie que o novo magistrado não poderia participar do caso Battisti porque chegará com o processo já em andamento.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que não acredita que o governo vá escolher o nome do próximo integrante da Corte Superior a tempo do julgamento nem que a posição ideológica vá interferir na escolha. Apesar disso, um dos nomes cotados para o cargo é o do advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli.

O senhor Battisti está preso ilegalmente desde que o Supremo Tribunal Federal não concedeu sua liberdade após o refúgio. O Brasil tem um prisioneiro político ilegalmente¿