Título: O gosto amargo do tabaco
Autor: Souza, André de; Beck, Marcio
Fonte: O Globo, 14/03/2012, Economia, p. 19

Anvisa proíbe adição de substâncias que alterem sabor de cigarros, consideradas porta de entrada de adolescentes no vício

Em decisão unânime, os diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovaram ontem a proibição da adição de substâncias que alterem o sabor ou aroma dos cigarros e produtos derivados do tabaco comercializados no Brasil. A nova norma vale, inclusive, para os produtos importados, mas não afeta aqueles destinados à exportação. Segundo a Anvisa, o objetivo é reduzir o número de novos fumantes, em especial os jovens atraídos pelos produtos aromatizados.

No caso dos cigarros, a resolução prevê que fabricantes e importadores terão 18 meses para se adequarem à norma. Para os demais derivados do tabaco, como charutos e cigarrilhas, o prazo é de 24 meses. Após esse prazo, contado a partir da publicação da resolução, haverá ainda um período de seis meses, no qual poderão ser comercializadas as mercadorias que não estejam em conformidade com a nova regra. Só depois não será mais permitido no mercado brasileiro produtos derivados do tabaco com aditivos como cravo, mentol e aromatizantes.

- Nossa ação terá um impacto direto na redução da iniciação de novos fumantes, já que esses aditivos têm como objetivo principal tornar os produtos derivados do tabaco mais atraentes para crianças e adolescentes - afirmou o diretor da Anvisa Agenor Álvares, relator da proposta.

- Não há nenhuma dúvida, em todas as conversas, debates e informações com as quais trabalhamos até o momento, de que adição de ingredientes ao cigarro que alteram o sabor ou odor da fumaça tem uma relação clara com atratividade para a busca de novos consumidores - acrescentou o presidente da Anvisa, Dirceu Barbano.

A adição de açúcar será permitida, mas sua concentração não poderá ultrapassar aquela suficiente para recompor o açúcar naturalmente perdido durante a fase de secagem da folha de tabaco. A norma também não abrange oito aditivos que não alteram o sabor e o aroma do cigarro, como substâncias relacionadas a adesivos, agentes aglutinantes, agentes de combustão e principais substâncias utilizadas na preservação e na manutenção do teor de umidade dos produtos.

Outros aditivos que não são proibidos pela resolução poderão ser acrescidos no futuro, desde que cumpram duas condições: serem aprovados pela própria Anvisa e comprovarem que não têm o efeito de alterar o sabor ou o aroma do produto.

A Anvisa ainda proibiu o uso de expressões como "baixo teor", "alto teor", "light", "soft", "leve", "suave", entre outras, nas embalagens. Segundo a agência, esses termos podem induzir o consumidor a uma "interpretação equivocada" a respeito da composição do produto.

Ao todo, 12 pessoas, entre representantes de associações ligadas à saúde e à indústria do tabaco, apresentaram seus pontos de vista durante a reunião da Anvisa. Carlos Fernando Costa, representante da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), concordou com a proibição de aromatizantes, mas tentou defender o uso de substâncias como mentol e cravo.

- Primeiramente reiteramos nossa posição favorável à proibição de cigarros com com gosto de frutas, quaisquer que sejam, ou adocicados, cujo sabor seja diferente de tabaco. Na nossa opinião, os cigarros de mentol e cravo devem ser mantidos, não sendo incluídos na lista de cigarros com sabor característico que a Anvisa quer proibir. Isso porque os cigarros mentolados e de cravo estão no mercado mundial e brasileiros há décadas, sem que lhe seja atribuída, com a devida comprovação científica, qualquer relação na atratividade ou riscos associados ao consumo do tabaco - justificou.

Estudo da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz - que foi favorável à medida da Anvisa - mostra que 30,4% dos meninos e 36,5% das meninas já experimentaram cigarro. Desse universo, 58,2% dos meninos e 52,9% das meninas disseram que preferem com sabor. O levantamento ouviu 17 mil estudantes em 13 capitais entre 2005 e 2009.

Flávia Ricobello, de 32 anos, e Cristina Godoy, de 25, são um exemplo: as duas começaram a fumar cigarros mentolados indo para matinês, quando ainda eram adolescentes.

- No começo eu nem tragava, era só de brincadeira, porque o gosto era bom. Só depois dos 18 comecei a fumar com frequência - explicou Cristina.

Vinícius Rebuit, 32, começou a fumar há 16 anos, dividindo o maço de cigarros mentolados entre os amigos. Quando faltava o de sabor especial, ele experimentava o normal. Acabou se viciando. Ainda hoje, fuma o mentolado de vez em quando.

- Você sempre começa com o mentolado, mas sair dele para começar a fumar cigarro normal é apenas uma questão de tempo - sentenciou ele.

Adolescentes preferem mentolados

Segundo a Anvisa, entre 2007 e 2010, o número de marcas de cigarros com sabor cadastradas na agência cresceu de 21 para 40. A Anvisa diz ainda que há 25 milhões de fumantes e 26 milhões de ex-fumantes no país e que o tabagismo é responsável pela morte de 200 mil pessoas todos os anos no Brasil.

A pesquisadora Valeska Figueiredo, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, também contesta a afirmação da indústria. Ela coordenou uma pesquisa com 17.127 estudantes de 13 e 15 anos, que mostra que os cigarros com sabores são preferidos pela maioria dos que já experimentaram tabaco. Os mentolados, diz, são os preferidos dos adolescentes.

- Comprovamos que os jovens que fumam cigarros com sabor têm risco 57% maior de fumar pelo menos dois cigarros por dia e risco 62% maior de fumar por pelo menos três dias em um mês, acima dos que não fumam cigarros com sabores.

O diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Luiz Antônio Santini, completa:

- É um argumento falacioso (da indústria). Não se está discutindo se os aditivos fazem mais ou menos mal. Os aditivos que amenizam o paladar do cigarro estimulam as pessoas a fumar.

Ele defende as restrições:

- A Anvisa não está fazendo nada além de seguir o que já é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). São medidas fundamentais, e somos absolutamente favoráveis. Nossa posição é a de que se deve inibir ao máximo o consumo de cigarro.

O SindiTabaco prevê perda de até 140 mil postos de trabalho entre produtores e a indústria. Já o presidente da Câmara Setorial do Tabaco, Romeu Schneider, considera o prazo de 18 meses "muito curto" para que a indústria se adapte às novas regras, e afirma que seriam necessários "pelo menos dez anos" para criar alternativas para os pequenos produtores de tabaco.