Título: Sinais trocados na política cambial
Autor: Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 22/03/2012, Economia, p. 26

Para especialistas, medidas contraditórias do governo mostram "esquizofrenia"

Martha Beck

Vivian Oswald

BRASÍLIA. Se para o mercado financeiro o Banco Central (BC) vem dando sinais inequívocos da política cambial que pretende seguir, está cada vez mais difícil interpretar as ações do Ministério da Fazenda. Por um lado, o Tesouro Nacional estaria ajudando a estimular as captações de empresas no exterior - o que ajuda a derrubar o dólar e prejudica o setor produtivo - e, por outro, agindo para anular esse efeito.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que a estratégia para segurar a queda da moeda americana tem apresentado sinais trocados, o que comprova que o arsenal de medidas que o ministro Guido Mantega chama de infinito é, na realidade, limitado.

Um exemplo da falta de coordenação seria o fato de o Tesouro ter captado lá fora, no início do ano, US$ 825 milhões para melhorar a curva de juros do país. Isso ajudou as empresas brasileiras a obterem recursos no exterior a menor custo.

Logo depois, o governo elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos no exterior com prazo de até cinco anos. Em 2012, as captações internacionais do setor privado já somam US$ 16,8 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Além disso, o Tesouro acaba de anunciar que pode comprar até US$ 15 bilhões este ano para antecipar pagamentos da dívida externa. Isso cria dúvidas sobre o porquê da captação no início do ano, que elevou a dívida externa, se pretendia quitar parte desse débito antecipadamente em 2012. Especialmente porque a dívida que será quitada, referente a um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem um custo mais baixo para o governo que os dólares que serão adquiridos pelo Tesouro.

- É mais que um tiro no pé. É esquizofrenia. O governo sabe qual é a saída, mas não quer tocar nela. O problema é estrutural. É preciso desonerar as empresas para garantir a competitividade da indústria e deixar o câmbio tomar seu rumo - disse o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

Outro problema é o fato de a equipe econômica estar sendo obrigada a ajustar as medidas de controle cambial já adotadas para evitar prejuízos aos exportadores. Mesmo assim, de janeiro para cá, o dólar se manteve praticamente no mesmo nível.

- O governo atirou indiscriminadamente e acabou atingindo quem precisa ser protegido. Isso é incoerente e ineficaz - disse o diretor da NGO Corretora, Sidnei Nehme.