Título: Abin confirma comandante
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2009, Política, p. 3

Wilson Trezza assume definitivamente a chefia da Agência Brasileira de Inteligência. Mas terá de passar por sabatina

Paulo Lacerda, o ex-chefe da Abin: queda depois das negativas sobre participação da Abin na Satiagraha

Após um ano de interinidade, o oficial de inteligência Wilson Roberto Trezza foi indicado pela Presidência da República para ser efetivado no cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)(1). Em setembro passado, Trezza chegou ao posto por causa do afastamento de Paulo Lacerda do comando da Abin. Lacerda foi afastado depois que se revelou a participação de quase 100 agentes de inteligência na Operação Satiagraha, deflagrada meses antes pela Polícia Federal. A ação da PF prendeu em meados de 2008 o banqueiro Daniel Dantas. O ponto culminante do afastamento de Lacerda foi a acusação de que a agência, no curso da operação da PF, teria realizado um grampo de uma conversa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. A escuta ilegal nunca foi comprovada por investigações oficiais.

Para ser efetivado no cargo, Trezza terá de passar por sabatina no Senado nos próximos dias. Sua indicação coube ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Jorge Félix, a quem a agência é funcionalmente ligada. Ele não deve encontrar resistências em ter seu nome aprovado pelo Legislativo.

O oficial está na agência há 30 anos, tendo ocupado os cargos de vice-diretor da Escola de Inteligência e Secretário de Planejamento e Coordenação. Segundo agentes ouvidos pela reportagem, ganhou confiança da categoria no período da interinidade ao ter dado voz, ao menos internamente, para o diálogo com as várias divisões dentro da agência, como a dos sindicalistas e dos militares. Superou até mesmo a desconfiança de que ele trabalhou para uma das empresas controladas por Daniel Dantas, um dos alvos da Satiagraha. Entretanto, ele não teve qualquer participação na ação da PF.

Cotado

Em reunião com diretores da agência na semana passada, o interino já anunciou o nome cogitado para ser seu adjunto. Será Ronaldo Belham, atual chefe da Divisão de Pessoal da Abin, que chegou a ser cotado no início do ano para comandar a agência. O pai dele, general José Antonio Nogueira Belham, é muito próximo ao ministro Jorge Félix, também militar de carreira, e foi formulador da legislação que criou a Abin no final da década passada.

Contudo, se efetivado, o futuro diretor terá dois desafios. Comandar a reformulação das atribuições da Abin, projeto que está sendo costurado por ministros desde o início do ano. Uma das principais dúvidas recai sobre o papel da agência. Ela teria perfil defensivo, no guarnecimento de fronteiras para invasão estrangeira e controle de movimentos sociais, ou ofensivo, atuando como uma espécie de CIA, a central de inteligência americana cujo trabalho é voltado para a prevenção, no exterior, de ataques. Outro questionamento é sobre a possibilidade de a Abin poder realizar escutas telefônicas com autorização judicial. Atualmente não há essa possibilidade em lei.

Trezza é o segundo interino ocupante de um posto de destaque na administração federal que deverá ser efetivado no fim do governo Lula. Em agosto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou o nome de Otacílio Cartaxo para comandar a Receita Federal. Ele substituiu a ex-secretária Lina Vieira Lima, demitida em julho. Procurado ontem pela assessoria de imprensa, Trezza não retornou os pedidos de entrevista. A assessoria informou que ele estava em viagem a trabalho no Rio de Janeiro.

1 - Orçamento A Abin teve um aumento de 47,25% dos recursos para a área de inteligência em 2009. No orçamento deste ano, estão previstos R$ 257 milhões para esse tipo de gasto. A agência tem 1,5 mil funcionários.

Memória Imagem desgastada

O segundo semestre de 2008 foi marcado por notícias que macularam a imagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Primeiramente negada com veemência por suas autoridades, especialmente pelo então chefe Paulo Lacerda, a imprensa revelou a maciça participação de agentes da Abin na Operação Satiagraha, deflagrada pela Polícia Federal. Quase 100 agentes participaram da ação policial.

Com base em dados oficiais, a Abin bancou 45% dos custos da Satiagraha ¿ a PF gastou R$ 460 mil e a agência, R$ 380 mil. Desde então, o banqueiro Daniel Dantas, preso duas vezes e principal alvo da operação, tenta anular na Justiça a Satiagraha alegando que a cooperação é ilegal. Contudo, Dantas tem sofrido derrotas judiciais e foi condenado em processo decorrente da ação. A Justiça Federal de Primeira Instância rejeitou as alegações de ilegalidade da participação da Abin, mas a defesa do banqueiro deve levar a questão até o Supremo Tribunal Federal (STF).