Título: Espanha vetará biodiesel da Argentina
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 21/04/2012, Economia, p. 25

Cristina Kirchner reage com ironia à retaliação por expropriação da petrolífera YPF

MADRI, BUENOS AIRES e BRASÍLIA. Em sua primeira medida concreta de retaliação contra a Argentina pela expropriação do controle que a petrolífera espanhola Repsol detinha de sua subsidiária YPF, o governo da Espanha anunciou ontem que vai frear as importações de biodiesel argentino. Na semana passada, após a intervenção na companhia, o governo de Mariano Rajoy anunciou que adotaria uma série de medidas "contundentes" contra o país sul-americano.

- O governo continuará procurando medidas de natureza diplomática em todos os foros para defender os interesses espanhóis - disse a vice-presidente do Governo, Soraya Sáenz de Santamaría, após a reunião do Conselho de Ministros.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, reagiu ontem mesmo, afirmando que seu país não vai questionar a "decisão soberana" da Espanha de suspender as importações de biodiesel argentino. Num tom visivelmente irônico, ela afirmou que "se a Espanha quer pagar um biodiesel mais caro é uma decisão soberana da Espanha".

- Somos pessoas de trabalho, gente que respeita a soberania dos outros países - disse Cristina, em ato na província de Santa Cruz, onde voltou a defender a nacionalização de 51% da Repsol-YPF e, também, de reforçar as medidas protecionistas para reduzir as importações no país.

Além de punir a Argentina, a restrição ao biodiesel também visa a estimular a produção espanhola do combustível. Em 2011, a Espanha comprou 719.473 toneladas de biodiesel argentino, praticamente a metade do volume de 1,6 milhão de toneladas consumido no país. Os produtores espanhóis contribuem apenas com um quinto do abastecimento, usando 14% de sua capacidade.

A associação que reúne os produtores espanhóis (APPA) já vinha reivindicando há tempos a entrada em vigor da lei do biodiesel, elaborada pelo governo anterior. O setor argumenta que se a Argentina e a Indonésia continuassem açambarcando a cota de 89% do mercado, a indústria espanhola, que está em "fase terminal", acabaria desaparecendo.

Já o plenário do Parlamento Europeu aprovou ontem uma resolução recomendando à União Europeia (UE) que reaja duramente à expropriação da YPF . No texto, aprovado por 458 votos a favor, 71 contrários e 16 abstenções, os parlamentares europeus "deploram a decisão tomada pelo governo argentino". Para eles, a medida é um "ataque ao exercício da liberdade empresarial e ao princípio de segurança jurídica", e promove "a deterioração do contexto para os investimentos de empresas europeias na Argentina". Os parlamentares recomendaram a adoção de medidas punitivas, inclusive um suspensão parcial do sistema de preferências tarifárias.

A represália da UE à Argentina pode aumentar o mercado para as commodities brasileiras nos países europeus. Essa é a avaliação do embaixador da Espanha, Manuel de la Cámara. Em um tom mais elevado do que o normalmente usado na diplomacia, De la Câmara disse ontem que as autoridades argentinas violaram uma série de acordos internacionais, o que deve provocar impacto negativo no intercâmbio comercial.

- Acho que os europeus vão comprar mais biodiesel do Brasil. É uma oportunidade para o Brasil vender produtos agrícolas, como soja, além de biocombustíveis e ferro - afirmou, acrescentando que vê com naturalidade a imparcialidade do Brasil no episódio. - O Brasil é vizinho da Argentina e sócio importante. Tem de ser neutro.

(**) Com agências internacionais

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