Título: Aberta a temporada de caça aos poupadores
Autor: Sorima Neto, João
Fonte: O Globo, 14/05/2012, Economia, p. 24

Com as mudanças nas regras de remuneração da caderneta de poupança, que vão encolher o rendimento da aplicação, e a tendência de queda na taxa básica de juro (Selic), diminuindo o retorno de produtos de renda fixa, como os fundos DI, as corretoras estão lançando uma ofensiva para atrair ao mercado de ações o investidor que ficou insatisfeito com esse novo cenário. Por enquanto, não há redução das taxas de corretagem, como fizeram os bancos com as taxas de administração de seus fundos. O principal argumento das corretoras é matemático: será preciso correr um pouco mais de risco para ter um ganho real acima da inflação.

- A queda do juro e a mudança na poupança vão exigir um esforço maior do investidor para ter um retorno real, acima da inflação. Na prática, a preguiça em pesquisar produtos de investimento vai custar mais caro - diz Eduardo Glitz, diretor de varejo da corretora XP.

A XP já está se preparando para ir buscar essa legião de investidores insatisfeitos. Além de mostrar que a renda variável pode dar um retorno mais atraente, a corretora criou uma campanha de conscientização mais ampla em relação a investimentos pessoais. A XP vai promover nos seus 350 escritórios espalhados pelo país um movimento chamado "Acorda Brasil". O mote da campanha é que no Brasil "os juros não são mais aqueles", quando bastava esperar sentado pelo retorno generoso. Serão mais de 3 mil palestras em junho, julho e agosto. A XP quer incentivar o investidor a pesquisar, comparar e escolher as melhores taxas de administração dos fundos, assim como o retorno oferecido.

- Com juro entre 8% e 9%, inflação de 5% a 6%, o investidor terá um ganho real de 1% a 2% num fundo de renda fixa, após o desconto da taxa de administração. No Tesouro Direto, por exemplo, um papel como a NTN-B (Nota do Tesouro Nacional série B), de prazo mais longo, o ganho real pode ser 4% a 4,5%, o dobro. É preciso fazer essas contas - diz Glitz.

Na corretora Souza Barros, de São Paulo, a campanha para atrair novos investidores é virtual: as redes sociais estão sendo usadas para fisgar essa turma. Twitter e Facebook passaram a levar informações sobre o novo cenário de juro baixo, mudança na poupança e as oportunidades de ganho real na renda variável. Toda terça e quinta-feira, os seguidores podem tirar dúvidas de investimento pelo Facebook com um analista da Souza Barros. A corretora também montou um bate-papo com representantes de empresas listadas em Bolsa. Esses encontros, divulgados pela web, acontecem no mundo real a cada 15 dias. Nos últimos encontros, a frequência cresceu 30%, segundo a Souza Barros, o que é um indício de que o mercado de ações começa a despertar mais interesse.

- A corretora tem 3 mil seguidores no Twitter e 2 mil no Facebook. Desses, 70% não são clientes, o que mostra interesse maior em ações. Queremos converter esses internautas em clientes e o argumento agora é que o ganho real ficou reduzido nas aplicações mais tradicionais - diz Daniel Garcia, gerente de home broker da Souza Barros.

Consultor financeiro recomenda cautela

Na corretora Ativa, as palestras de educação financeira também passaram a abordar o atual cenário de juro mais baixo. A ideia de incorporar uma parcela de renda variável ao portfólio é sugerida como forma de obter melhor retorno. O resultado é que o número de perguntas sobre ações aumentou e os profissionais da Ativa receberam treinamento para perceber as demandas.

- Há questões sobre as variáveis econômicas que afetam esse mercado, as formas de investir, como compra direta de ações ou fundos de ações. Dos investidores, queremos saber a capacidade de aceitar riscos - diz Mônica Araújo, da Ativa.

Os reflexos na Bolsa da queda dos juros e das mudanças na poupança vêm sendo tão significativo que o diretor-presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, disse, na última sexta-feira, que a Bolsa ganhou mais 6 mil CPFs cadastrados em abril. Além do recuo dos juros, Pinto citou a retomada das ofertas públicas iniciais de ações como motivos do crescimento.

Mas o consultor financeiro e gerente do Instituto Nacional de Investidores (INI) Mauro Calil recomenda cuidado a quem não está acostumado com o sobe e desce da Bolsa.

- O investidor pode se sentir enganado se precisar do dinheiro em três meses e nesse período a Bolsa cair. Ele terá um prejuízo que não teria na renda fixa. Por isso, é preciso cuidado. Para ter um bom retorno, é preciso pensar num horizonte de pelo menos cinco anos - diz Calil.

Calil recomenda que os interessados se informem.

- A redução do crescimento econômico, com uma crise internacional, e a mudança de perspectiva para um determinado setor podem afetar o desempenho de uma ação. Na poupança, isso não acontece.