Título: Elogios mútuos e leveza em mesa concorrida
Autor: Brito, Thais
Fonte: O Globo, 08/07/2012, Rio, p. 27

PARATY. A admiração mútua marcou a conversa do escritor inglês Ian McEwan com a americana Jennifer Egan na tarde de ontem, em uma das mesas mais concorridas da Flip. Pela segunda vez em Paraty - ele esteve na cidade em 2004, num debate com o inglês Martin Amis -, o bem-humorado McEwan celebrou o clima da cidade:

- É um prazer estar aqui de novo. Comparada ao verão chuvoso da Inglaterra, Paraty é um paraíso com essa temperatura.

Os dois abriram a mesa com leituras de trechos dos romances que lançam na Flip: "Serena" (Companhia das Letras), de McEwan, e "O torreão" (Intrínseca), de Jennifer. A conversa começou com uma discussão sobre os personagens das obras, fortemente caracterizados pela empatia que despertam nos leitores, como lembrou o jornalista Arthur Dapieve, mediador da conversa. Jennifer explicou que em geral parte do ambiente onde se passa a história, e o personagem surge como consequência. Já McEwan usou uma analogia.

- Não é uma escolha consciente. É como uma pintura. Você faz um traço que leva a outro e, no final, o personagem acaba aparecendo. É quase como se ele escolhesse você - disse, relevando que, em "Serena", o narrador é um homem, o amante da personagem-título. - Pronto, contei o final do livro.

- Podia ter dado um alerta de spoiler , pelo menos! - brincou Jennifer.

Num papo que, em algumas momentos, até dispensou a mediação, os dois mostraram estar em sintonia com o trabalho um do outro. Jennifer contou ter conhecido McEwan ainda na faculdade, onde o escritor deu uma palestra. Tornou-se uma leitora constante de suas obras e hoje o considera um modelo. Antes de retribuir, ele brincou:

- Não seria muito mais divertido se odiássemos o trabalho um do outro? - perguntou. - Sugiro que vocês procurem no site da revista "New Yorker" o romance "Black box", que Jennifer escreveu no Twitter. É uma das melhores coisas que li em anos.

Jennifer contou que seu interesse pelo Twitter surgiu da vontade de fazer ficção em série. "Black box" é uma compilação de observações de uma espiã. O tema da espionagem também está em "Serena". McEwan contou que almoçou com John Le Carré para falar sobre o assunto e que considera seu romance "O espião que sabia demais" um dos melhores das últimas décadas.

- Acho que, no fundo, todos os romances são de espionagem. O leitor tem que ir descobrindo o que vamos deixando passar, quem realmente é o narrador, a informação que vazanmos aos poucos - ponderou McEwan, para depois falar sobre o Brasil. - Neste momento em que o Brasil está entrando na lista das maiores potências do mundo, adoraria ver uma literatura brasileira surgindo para tratar da tensão entre países.

Uma mulher da plateia disse ter ficado irritada com a manipulação de McEwan em "Reparação", e Dapieve perguntou se manipular era um prazer do autor. McEwan respondeu bem rápido:

- Claro! É o maior deles. Mas não de forma sádica.

- Como leitora, adorei ser manipulada em "Reparação" - completou Jennifer.

Conversando sobre os métodos de pesquisa para seus romances, McEwan lembrou os dois anos que passou em contato com um neurocirurgião para escrever "Sábado". Numa das vezes em que acompanhava uma cirurgia, duas estudantes de medicina o confundiram com um médico, e ele lhes explicou todo o procedimento. Jennifer contou que ficou oito horas numa prisão para escrever "O torreão".

- Eu havia lido muito sobre prisões, mas ainda sentia que a pesquisa estava superficial. Não havia textura, eu não sabia qual era o cheiro da prisão. Após a visita, a leitura que eu tinha feito ficou muito mais viva. E ainda surgiram novos personagens.

No final, os dois falaram do papel da música em suas obras, e McEwan definiu: todo escritor tem inveja dos compositores.

- É o equivalente artístico da inveja do pênis - disse, provocando risos na plateia.

A mesa terminou com um depoimento emocionado de McEwan sobre o amigo Christopher Hitchens - que esteve na Flip em 2006 -, morto em dezembro do ano passado:

- Ele deixou um buraco enorme nas nossas vidas. Antes de morrer, ele estava correndo para escrever um ensaio de três mil palavras. Nos últimos dias, eu e seu filho o segurávamos na cadeira para que conseguisse terminar de digitar. Embora estivesse com muita dor, sem conseguir respirar, ele queria fazer aquilo. Ele era incrível.

Relatos sobre a família e conversa sobre sexo

Depois do diálogo de McEwan e Jennifer Egan, a mesa "Em família" foi caracterizada por espécies de conferências individuais dos brasileiros Zuenir Ventura e João Anzanello Carrascoza e da portuguesa Dulce Maria Cardoso, sobre a família como eixo da literatura. Com essa dinâmica, eles não conversaram entre si, nem responderam às mesmas perguntas.

Zuenir arrancou gargalhadas da plateia com frases como: "Família unida, sim. Reunida, jamais". E contou que deixou de fora do romance episódios verdadeiros que pareciam absurdos:

- Às vezes a realidade é mais inverossímil do que a ficção.

Em seguida, a cubana Zoé Valdés e o haitiano Dany Laferrière se reuniram para falar do tema "Avesso da pátria", sob mediação da portuguesa Alexandra Lucas Coelho, mas o destaque foi o debate sobre sexualidade.

- Nos meus livros, o sexo é sempre um duelo de identidades, como num campo de batalha - afirmou Laferrière.

- Não há diferença em como a mulher e o homem veem o erotismo. Escrevo sobre o que ouço, como um menino que começa a descobrir o sexo - disse Zoé.