Título: Mercosul chega à maioridade em crise existencial
Autor: Oswald, Vivian; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 01/07/2012, Editorial, p. 41

Disputas comerciais entre Brasil e Argentina tanto decorrem de deficiências do bloco como dificultam maior integração

BRASÍLIA. Às vésperas da maioridade, o Mercosul está muito aquém do esperado em termos de integração econômica e comercial. Brasil e Argentina, as principais economias do bloco, vivem às turras. Não conseguem aparar as arestas para retomar o comércio bilateral, tão importante para ambos, sobretudo agora diante da crise internacional, que ameaça levar os argentinos para o buraco e fechar o principal mercado para os manufaturados brasileiros. O bloco tem um sistema de solução de controvérsias no Protocolo de Olivos, mas que não é utilizado.

Milhões de produtos brasileiros estão presos nas fronteiras argentinas, e vice-versa. Mecanismos criados para facilitar os negócios entre os países não funcionam - é o caso da possibilidade de se exportar em reais ou em pesos, devido à burocracia e à desconfiança dos dois lados. Os argentinos não querem fechar contratos em peso com medo de a sua moeda se desvalorizar e eles perderem dinheiro.

Para quem vive do comércio, nada pior do que o imbróglio atual. Alexandre Abreu, dono da Dracar Comércio de Alimentos, baseada no Mercado São Sebastião, no Rio, conta prejuízos por causa da falta das azeitonas argentinas. Ele tem deixado de faturar de R$ 300 mil a R$ 400 mil por mês. Azeitonas e outros perecíveis perderam o licenciamento automático e podem ficar retidos por até 60 dias. Esta é uma barreira imposta pelo Brasil ao vizinho em represália ao bloqueio de produtos brasileiros na fronteira.

- Não é bom para ninguém. Existe uma enorme cadeia por trás desse comércio. Prejudica as empresas que pagam seus impostos e empregados. Há ainda as transportadoras. A Argentina está pior que o Brasil agora. É uma briga desigual - disse Alexandre.

Os problemas, no entanto, não se restringem ao comércio. Outros aspectos na relação bilateral deixam a desejar, mesmo depois de quase duas décadas da criação do Mercosul. Não há, por exemplo, voos diretos entre Buenos Aires e Brasília, assim como não há tantos voos entre os dois países como seria de se esperar. Como a Argentina não consegue completar seus slots , o Brasil não pode usar os seus. Viajar para Mendoza, no país vizinho, pode levar quase 24 horas.

O número de emergência na Argentina é 911, como nos Estados Unidos, e não 190, como no Brasil. E não há um número comum para o bloco. Embora os padrões de avaliação dos produtos tenham sido harmonizados, os sistemas de certificação são diferentes. Muitas vezes uma mercadoria precisa de mais de um selo para circular.

Mas não há dúvida de que o Mercosul aumentou o comércio entre os países do bloco. O intercâmbio entre Brasil e Argentina, que antes da criação do bloco, em 1991, era de US$ 2 bilhões, atingiu US$ 39,6 bilhões em 2011. As exportações brasileiras para o bloco saltaram de US$ 1,3 bilhão em 1990 para US$ 27,8 bilhões no ano passado, um avanço de mais de 2.000%. Já as importações passaram de US$ 2,3 bilhões para US$ 19,4 bilhões.

Além disso, empresários brasileiros hoje conseguem vistos de trabalho no país vizinho com mais rapidez do que os europeus. Embora não haja programas de bolsas de estudos, já se reconhecem os diplomas universitários dos parceiros.

Especialistas defendem aprofundar o Mercosul

Para o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Alessandro Teixeira, parte dos problemas entre os dois países se deve à falta de aprofundamento do Mercosul.

- A solução para o comércio entre Brasil e Argentina é o fortalecimento do Mercosul. Nossa competição não é entre Brasil e Argentina. Sofremos competição asiática com preços baixos, o que afetou a indústria brasileira e desmontou fábricas argentinas - disse Teixeira.

Na opinião de Welber Barral, especialista em direito internacional e ex-secretário de Comércio Exterior do Mdic, o Brasil tem de ter "paciência estratégica". Ele destaca que a Argentina continuará sendo um parceiro comercial importante:

- É preciso, sim, aprofundar o Mercosul - enfatizou.

O embaixador José Botafogo Gonçalves, um dos fundadores do Mercosul, avalia que houve uma involução nas relações Brasil-Argentina, sobretudo devido à retomada do protecionismo. Isso deve influenciar negativamente as formas de integração.

As diferenças entre Brasil e Argentina foram discutidas, na última sexta-feira, na reunião de cúpula em Mendoza. Os dois países concordaram em suavizar os impedimentos que afetam o comércio bilateral. Mas impera o ceticismo.

Especialistas estão de olho no futuro do Mercosul, principalmente após a suspensão do Paraguai e a adesão da Venezuela. Há quem considere a ação contra o Paraguai um dos bons frutos do bloco, que prevê iniciativas conjuntas pró-democracia entre seus membros.