Título: Fim de jogo para Demóstenes
Autor: Krakovics, Fernanda; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 12/07/2012, O País, p. 3

De expoente do grupo dos éticos e alternativa de poder do DEM nas eleições presidenciais de 2014 a senador cassado sob a acusação de ser lobista de um bicheiro. Essa foi a trajetória de Demóstenes Torres (sem partido-GO) nos nove anos em que esteve no Senado. Ontem, ele entrou para a história da Casa como o segundo senador a perder o mandato (o primeiro foi Luiz Estevão, em 2000), menos pelos crimes que lhe foram imputados e mais pelo "falso personagem da moral e da ética" que sustentou nos últimos anos.

Nem a votação secreta o salvou. Por 56 votos a 19 e cinco abstenções, ele perdeu seis anos de mandato. E fica proibido de se candidatar até 2027, quando terá 66 anos.

Demóstenes perdeu o mandato 104 dias depois que O GLOBO revelou gravações mostrando que suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira eram mais do que de amizade. Eram a prova de que ele pôs o mandato a serviço do bicheiro.

Nas mais de três horas de sessão no plenário lotado, o clima era de constrangimento: 80 dos 81 senadores, incluindo Demóstenes, marcaram presença. Só Clóvis Fecury (DEM-MA), de licença, faltou. A maioria chegou com convicção formada de que era inevitável salvar a imagem do Senado no escândalo Cachoeira. Para aprovar a cassação, bastavam 41 votos.

Os apelos de Demóstenes em seu último discurso não sensibilizaram os colegas, que lembravam quando ele, "arrogante e de dedo em riste", denunciava a tudo e a todos.

Mas, até o último minuto, Demóstenes confiava que, no voto secreto, poderia escapar. Alguns senadores também acreditaram que ele tinha chance, como o senador Lobão Filho (PMDB-MA). Lobão se disse impressionado com confissões ouvidas no plenário, até de um colega da oposição que acabara de discursar contra Demóstenes:

- Não tenho vergonha nem medo de dizer que tenho profundas dúvidas. Ele está pagando pela arrogância e prepotência. Seu maior crime é não ter amigos no Senado. Como penalizar uma pessoa pelos crimes de um amigo? - justificou Lobão Filho.

Outro que sinalizou ter votado contra a cassação, Magno Malta (PR-ES) disse que Demóstenes foi punido por ter apontado o dedo para todo mundo:

- Ele perdeu para o personagem. Fez do Renan (Calheiros) o lixo do mundo em seu processo de cassação.

Apesar do placar folgado pela perda do mandato, a decisão não foi comemorada, mas considerada necessária.

- O Senado mostrou a sua permanente vigilância pelo prestígio da Casa. Esse é um episódio de página virada. Foi em sintonia com o desejo da população - disse o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Para o relator do processo no Conselho de Ética, Humberto Costa (PT-PE), a cassação foi motivada pelas provas.

- Não é uma decisão fácil. Mas a cassação se fundamentou em provas contundentes. É um dia triste para o Senado, mas de afirmação da democracia - disse Costa, para quem Demóstenes era um "despachante de luxo" de Cachoeira.

- O Senado é a mais alta instituição da República e esteve à altura. É difícil, mas aqui não é uma confraria de amigos - disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), autor da representação contra Demóstenes.

Com a sessão transmitida pela TV Senado, os 24 senadores que se abstiveram ou votaram contra a cassação não discursaram a favor do acusado. Além dos relatores e de Randolfe, cinco senadores discursaram pela cassação, mas não puderam abrir o voto. O advogado de Demóstenes, Antonio Carlos de Almeida Castro, também discursou.

Muitos anunciaram no Twitter que votaram pela cassação, como Marta Suplicy (PT-SP), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Jorge Viana (PT-AC), Roberto Requião (PMDB-PR) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Demóstenes é acusado de ter mentido em discurso no plenário, em 6 de março, quando afirmou que era apenas amigo de Cachoeira e não tinha negócios com ele; de ter recebido vantagens indevidas (uma cozinha importada e um rádio Nextel); e de ter posto seu mandato a serviço do contraventor. Ele teve conversas telefônicas grampeadas, com autorização da Justiça, pela Polícia Federal, na Operação Monte Carlo.

Demóstenes assistiu aos discursos ao lado do seu advogado. Às 9h56m, Sarney entrou no plenário e apenas olhou para Demóstenes. O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), um dos alvos de Demóstenes quando enfrentou o julgamento do plenário e foi absolvido, deu um leve abraço com três tapinhas em suas costas.

O plenário ficou lotado por assessores e jornalistas, além dos senadores. Mas nas galerias, embora cem senhas tivessem sido distribuídas, poucos curiosos ocuparam os lugares. Quando o resultado foi divulgado, Demóstenes retirou-se em silêncio da vida pública. Pelo menos até 2027.