Título: Aleppo, o epicentro do confronto
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Fonte: O Globo, 26/07/2012, O Mundo, p. 28

Regime e rebeldes deslocam milhares de tropas na batalha decisiva pela capital financeira síria

O regime de Bashar al-Assad e as forças rebeldes voltaram ontem seu foco de vez para Aleppo, com a mobilização de milhares de combatentes de regiões próximas, no que se anuncia como a batalha derradeira pelo controle do centro financeiro e industrial da Síria. A oposição, que se diz no poder em pelo menos seis bairros da cidade, já compara uma eventual vitória em Aleppo com a tomada de Benghazi, primeira grande conquista dos rebeldes líbios e principal bastião da revolta que derrubou Muamar Kadafi.

Antes relativamente poupada dos combates, Aleppo é, desde sexta-feira passada, o epicentro do conflito sírio. Só nas últimas 24 horas foram pelo menos 20 mortos, muitos por rajadas disparadas por helicópteros do Exército de Assad. Com vitórias importantes em Damasco e Homs, tanques e ônibus repletos de soldados começavam a chegar ontem a Aleppo, deslocados da fronteira com a Turquia, da província de Idlib, de outras áreas do Norte e, em menor número, da própria capital.

- O Exército sírio está mobilizando reforços, assim como os rebeldes. É uma batalha decisiva, e o regime está tentando impedir que os insurgentes tomem o controle das sedes da polícia, de prédios públicos e do partido de Assad - disse Rami Abdel Rahmane, presidente do Observatório Sírio de Direitos Humanos. - Para os rebeldes, Aleppo é tão importante quanto fora Benghazi para os líbios. Se essa cidade cai, o regime cai. E os adversários sabem disso.

Turquia fecha a fronteira

Nos primeiros dias, as batalhas em Aleppo se concentraram em Salah al-Din, um bairro pobre no Sul da cidade. Mas se espalharam para outras áreas na medida em que os rebeldes ampliavam sua presença. Ontem, houve combates e mortes em Al-Jamaliya, Sukkari, al-Sajur, al-Bab e Bustan al-Qasr. Temendo a resposta do Exército, muitos moradores começam a abandonar suas casas em áreas onde os rebeldes clamam controle.

- Os bombardeios estão intensos na maioria dos distritos de Aleppo, especialmente de helicópteros. Há muitas batalhas agora. É uma grande guerra - disse Constantine, uma ativista na cidade.

Dos militares deslocados, centenas já conseguiram entrar ontem em Aleppo - apesar da série de emboscadas durante o trajeto. Relatos dão conta de que perto do reduto opositor de Jabel al-Zawiya, em Idlib, os rebeldes conseguiram destruir um terço dos mais de 20 veículos militares que rumavam dali para a cidade.

- Centenas de rebeldes vindos de todo o Norte da Síria chegam a Aleppo, onde será disputada a batalha decisiva. Dezenas de bairros da periferia permanecem nas mãos dos rebeldes, e na cidade não se ouve outra coisa, senão tiros e bombardeios - disse um jornalista sírio na cidade.

Em Damasco - onde os recentes avanços rebeldes foram repelidos nos últimos dias e vários bairros voltaram ao controle do regime - houve ontem novos bombardeios ou confrontos em pelo menos três áreas: al-Tel, al-Sabina e Hajar al-Aswad. Em al-Qabun, na periferia da capital, ativistas disseram terem encontrado mais de dez corpos numa vala comum, supostamente de civis detidos pelo regime.

A intensificação do conflito levou ontem a Turquia a anunciar o fechamento de todas as passagens fronteiriças com a Síria. Em princípio, a medida não se aplicará aos refugiados, mas apenas aos turcos que quiserem entrar na Síria. Os estrangeiros poderão continuar cruzando a fronteira nos dois sentidos, mas terão de assinar um documentos em que se dizem cientes do perigo.

- Recebemos garantias de que as fronteiras continuarão abertas. Está fechada para o tráfego comercial em ambas as direções, segundo o governo turco - disse Sybella Wilkes, porta-voz da agência das Nações Unidas para refugiados (Acnur).

A fronteira, com quase 900 km de extensão, tem sete postos de controle do lado turco, mas apenas três estavam em operação - Cilvegozu, Oncupinar e Karkamis. Foi por eles que cruzou parte dos mais de 40 mil refugiados sírios que a Turquia acolhe. Na última semana, os rebeldes conseguiram tomar três postos de segurança do lado sírio.

ONU reduz à metade número de monitores

Um desses postos, o de Bab al-Hawa, estaria nas mãos de jihadistas - o que foi aproveitado ontem pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, para criticar o apoio americano à revolta contra Assad.

- Se esse processo de tomada de território por terroristas é apoiado pelos nossos parceiros, então nós gostaríamos de receber uma resposta sobre qual é a posição deles na Síria e o que eles estão tentando conseguir no país - ironizou.

Na arena diplomática, o regime sírio teve de lidar ontem com mais uma deserção. Abdelatif al-Dabbagh, embaixador nos Emirados Árabes, anunciou que seguiria o mesmo caminho da mulher, Lamia al-Hariri, máxima representante diplomática síria em Chipre, e deixaria de apoiar Assad. Os dois fugiram para o Qatar. As deserções se somam às dos embaixadores na Suécia, Bassam Imadi, e no Iraque, Nawaf Fares.

Devido ao aumento da violência, o subsecretário-geral para Operações de Manutenção de Paz da ONU, Hervé Ladsous, confirmou que metade dos 300 integrantes da missão de monitores já foi retirada da Síria. Segundo o enviado especial da ONU, Kofi Annan, a decisão responde à necessidade de reconfigurar os objetivos da missão, para que foque mais em aspectos políticos que militares.

Ontem, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, aproveitou uma visita a Sarajevo para fazer um apelo às potências para que encontrem uma saída para o conflito sírio:

- Estou suplicando ao mundo. Em Srebrenica, a ONU não cumpriu sua responsabilidade, a comunidade internacional fracassou, não evitou o genocídio. Por isso, suplico: ajam agora para parar a matança na Síria.