Título: Crime de quadrilha se destacou na acusação
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 04/08/2012, O País, p. 8

Professor da FGV diz que Gurgel dedicou maior parte do tempo para provar que Dirceu liderava um grupo

Um julgamento para a história

Roberto Gurgel, que abdicou das frases de efeito pela linguagem técnica e manteve até o fim o tom sereno em sua atuação, pode ter acertado ao usar a maior parte das cinco horas da leitura da acusação para sustentar a tese mais difícil do julgamento: provar que José Dirceu e os demais réus formavam uma quadrilha. Para o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro Thiago Bottino, o procurador-geral da República quis demonstrar que, embora os acusados tivessem graus de envolvimento distintos, não chegando a praticar as mesmas ações, Dirceu não apenas conhecia como aderiu ao esquema, "o que no Direito é chamado de teoria do domínio do fato".

O procurador-geral, diante dos ministros do STF, acusou o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula de liderar o grupo e exercer um papel de fundamental importância para o esquema ilícito. Thiago Bottino disse que outros crimes sustentados por Gurgel tinham provas mais fáceis, como peculato, corrupção ativa e passiva, lastreadas por cheques apreendidos, pagamentos comprovados, relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e outras evidências. Mas o professor da FGV entende que a acusação não precisava evidenciar a formação de quadrilha com o mesmo tipo de prova:

- No assalto ao Banco Central em Fortaleza, era inquestionável a responsabilidade de quem cavou o túnel, de quem passou por ele e dos que pegaram o dinheiro. E de quem dirigiu a ação? Evidentemente, o mentor não poderia ficar de fora.

No caso de Dirceu, Bottino disse que há testemunhas que viram ele falar sobre o assunto com José Genoíno e se reunir com o pessoal do Banco Rural para tratar de interesses do esquema:

- Ele tinha domínio do fato. Sabia os motivos que levavam as pessoas a agir daquela forma e concorrer para que isso acontecesse. Gurgel está chamando a atenção para essas provas.

O professor de Direito não considera a carência de provas materiais a maior dificuldade da acusação. Para ele, já ficou demonstrado o recebimento regular dos valores por parte de integrantes da base aliada e de seus prepostos, batizado de mensalão. O problema de Gurgel, diz o professor, é afastar a ideia, perseguida pela defesa, de que o fluxo financeiro servia apenas à formação de caixa dois de campanhas eleitorais da época, jamais servindo para irrigar um esquema de corrupção.

Bottino espera que, na próxima etapa do julgamento, os advogados dos reús procurem "separar as coisas", individualizando o papel de cada um no episódio, na tentativa de derrubar a tese de crime de quadrilha.

- Eles dirão que, isoladamente, não há nada, prova alguma contra ninguém - disse.

Não será um desafio fácil. Bottino lembra que, no caso específico do publicitário Marcos Valério, havia outros três sócios na agência.

- Era uma gestão corporativa. Nada era feito, nada era aprovado, sem o conhecimento dos outros sócios. Todos tinham conhecimento de tudo. Isso, no entender do Ministério Público, é formação de quadrilha - apontou.

O professor destacou também outro momento da sustentação em que Gurgel sentiu-se seguro com as provas apresentadas, como no caso da acusação de peculato. O professor disse que, neste quesito, a polícia arrecadou provas de que as empresas supostamente favorecidas receberam o dinheiro, mas não prestaram o serviço, como ficou demonstrado em auditorias do TCU e outros relatórios oficial incluídos no rol das provas.

- O ponto central é mesmo a formação de quadrilha, com Dirceu à frente, para a prática de corrupção. Coordenar, reunir os integrantes, montar o esquema financeiro. Tudo isso é quadrilha. Foi o que Gurgel procurou demonstrar - disse o professor.