Título: Quando o negócio é vender o próprio peixe
Autor: Aranha, Patrícia
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2009, Política, p. 4

Nos preparativos da eleição, consultores buscam candidatos, seus potenciais clientes. Argumento é o de que a campanha de 2010 já começou.

A eleição de 2010 começou um ano antes. O término, ontem, do prazo de filiação partidária para quem quer se candidatar esquentou o mercado dos prestadores de serviço. Empresas que fazem pesquisa de opinião, marketing político, construção de sites, blogs e redes de relacionamento na internet e até as que vendem listas com números de telefone e endereços eletrônicos de pessoas físicas já estão assediando os possíveis candidatos. Consultores políticos avaliam que o planejamento antecipado vai fazer a diferença na hora de conquistar o eleitor porque a campanha promete ser mais interativa e menos dependente da propaganda massiva do horário eleitoral gratuito.

Para o consultor Cadu Senna ¿ que tem no currículo, entre outras, a campanha do prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB) ¿, as eleições começam a ser vencidas fora do período eleitoral. Por isso, o político não pode descuidar da imagem. ¿Agora é a hora de cuidar da construção da imagem pública do candidato, afinar o seu discurso, escolher os melhores parceiros, até para conseguir viabilizar o seu nome dentro do partido¿, argumenta. Os últimos dias, segundo ele, foram de muito trabalho, principalmente em Brasília, onde prestou consultoria para alguns candidatos que queriam escolher qual a melhor legenda para se filiar. A empresa oferece desde a contratação de pesquisas, escolha da plataforma e do tema da campanha até redação de discursos do candidato.

Deputados Com a experiência de 30 anos no planejamento de campanhas eleitorais, o consultor Marco Iten se especializou em promover cursos de capacitação para os candidatos e suas equipes. O foco neste momento são os que concorrem a uma vaga de deputado federal ou estadual, que não dependem das costuras políticas entre os partidos para viabilizar as candidaturas, como ocorre com os cargos majoritários de senador, governador e presidente da República. ¿Quem quer disputar voto no ano que vem já está atrasado¿, avisa ele, valorizando seu trabalho de planejamento.

Para Iten, o pré-candidato já precisa, pelo menos, entender as ferramentas disponíveis. ¿Um candidato a deputado em Minas, onde há mais de 800 municípios, ou de São Paulo, com mais de 600 cidades, se deixar para a última hora, vai encontrar território ocupado¿, jura. Por um curso de dois dias, em São Paulo, em que são abordados itens como identidade visual, redes de relacionamento, legislação eleitoral e linguagem de campanha, o instituto que leva o nome do consultor cobra R$ 1.560. Ele garante que as vagas estão concorridas.

Spam A aposta no uso das redes sociais na internet (como Twitter, Orkut, Facebook e MySpace) não vai aposentar o envio de mensagens por e-mail na eleição de 2010. Algumas prestadoras de serviço apostam em produtos mais especializados. Ronaldo Dornelas, sócio de uma delas, percorreu os gabinetes dos deputados estaduais mineiros, na semana passada, oferecendo um banco de dados com 60 mil nomes, endereços, telefones e e-mails de candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito na eleição do ano passado em Minas, por R$ 4,5 mil. ¿Político pede voto para político. Eles falam a mesma língua. Se um deputado mandar mensagem para 60 mil políticos, vai conseguir algum resultado. Pode formar uma rede de apoiadores. Depende da mensagem dele¿, garante. Cadu Senna discorda. ¿Só é válida a utilização de uma lista voluntária, em que a pessoa se inscreveu para receber a mensagem. Do contrário, vira anticomunicação. Ninguém gosta de receber spam (como são conhecidas as mensagens não solicitadas) ou telefonema de alguém desconhecido, pedindo voto¿, opina.

A venda indiscriminada de bancos de dados com endereços eletrônicos de pessoas físicas e jurídicas, feita por meio da própria internet, aumenta a ameaça de spams. Uma empresa paulista que oferece uma listagem com 3,361 milhões de endereços de caixa postal só de Minas Gerais a R$ 199,99 divulga no próprio site um alerta : ¿Cuidado com listas de e-mails oferecidas a preços de banana. Essas listas possuem grande número de e-mails repetidos, além de e-mails indesejados¿. Uma pesquisa rápida pelos sites de busca detecta empresas que oferecem listas de até 6 milhões de e-mails, pela bagatela de R$ 50,00.

Liberdade é a chave da disputa na internet

A campanha do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, virou exemplo de sucesso no uso das redes sociais na internet para mobilizar o eleitorado. O cientista político Bruno Reis, do Departamento de Ciência Política da UFMG, alerta para a dificuldade em transferir o modelo para as campanhas dos candidatos em 2010, apontando as diferenças que existem entre o caso norte-americano e o brasileiro, principalmente em relação à possibilidade de arrecadar recursos por meio da web.

¿Obama fez o que todo candidato sonha, montar uma plataforma online para irradiar contatos, mas o que foi particularmente eficaz no caso dele foi a montagem de uma máquina de arrecadar dinheiro¿, explica. ¿Nos Estados Unidos, existe a figura da doação online de pessoas físicas, por meio do cartão de crédito. A arrecadação online foi decisiva para a vitória dele. Para nós é uma incógnita absoluta¿, analisou. Foram arrecadados mais de US$ 500 milhões a partir de 6,5 milhões de doações via internet, uma média de US$ 80 por doação.

Para Reis, o mais importante ensinamento da campanha do presidente dos Estados Unidos foi o fato de ter conseguido induzir um movimento social com o auxílio da internet. ¿A campanha dele construiu um movimento social genuíno, que não foi feito de baixo para cima como os outros, mas de cima para baixo, foi induzido¿, lembra. Outros fatores, como o perfil de Obama ¿ ¿negro, com nome de africano, com um grande carisma, candidato de oposição a um governo profundamente impopular¿ ¿ e a necessidade de mobilizar eleitores num país onde o voto não é obrigatório, também seriam pontos que diferenciam a experiência norte-americana.

Perfil Na opinião do cientista político, o perfil do candidato contará muito para o potencial de mobilização da militância espontânea, como aconteceu no caso dos Estados Unidos. Nesse caso, candidatos como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PV) ¿ que tem um discurso que cativa o eleitorado mais jovem, com maior presença nas redes sociais ¿ levariam vantagem sobre políticos mais tradicionais. ¿Desde o lançamento do nome da Marina, começamos a ver um movimento ainda incipiente nas redes sociais. Se isso vai levar a uma mobilização maior, ainda não sabemos¿, conta.

O uso do microblog Twitter, para Reis, seria menos eficaz em mobilizar os eleitores do que sites de relacionamento, como Facebook, Orkut e MySpace. ¿O Twitter aumenta a exposição do político, mas é mais passivo. É difícil dar palavras de ordem, organizar manifestações, por exemplo¿, explica. Qualquer que seja a ferramenta usada, segundo ele, o importante é garantir a participação dos internautas sem que haja necessidade de uma centralização, como aconteceu na campanha norte-americana. ¿O site permitia um autogerenciamento. Se alguém quisesse organizar um evento para Obama, era só clicar no botão específico, desonerando a coordenação central. Quanto mais livres as pessoas se sentem, mais elas querem participar¿, avalia. (PA)

O número US$ 500 milhões Valor arrecadado via internet na campanha do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama