Título: Governo vai depender de malabarismo para cumprir meta fiscal
Autor: Bonfanti, Cristiane; Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 04/11/2012, Economia, p. 41

Sem abater gastos com o PAC, superávit primário deve ficar R$ 25,3 bilhões abaixo do previsto.

Se o governo não lançar mão de novos artifícios, além de reforçar o caixa com dividendos pagos por empresas e bancos públicos, faltarão R$ 25,3 bilhões para o setor público alcançar a meta cheia de superávit fiscal primário em 2012, a economia de todo o setor público para o pagamento de juros, fixada em R$ 139,8 bilhões, ou 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país ao longo de um ano). Projeção feita pelo núcleo fiscal da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara mostra que, no fechamento do ano, essa economia deve alcançar R$ 114,5 bilhões e a diferença teria que ser coberta com o abatimento da meta dos gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No acumulado de janeiro a setembro, o superávit está em R$ 75,8 bilhões.

Com a economia em marcha lenta, o Tesouro precisará ser criativo e pode recorrer a truques, cada vez mais escassos, para fechar as contas, na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO. Devem faltar R$ 9,3 bilhões para cumprir a meta de superávit do governo central e outros R$ 16 bilhões para atingir a meta de estados e municípios. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê a possibilidade de redução da meta de superávit primário em até R$ 40,6 bilhões com as despesas no âmbito do PAC. Negada com veemência pelo governo ao longo do ano, essa possibilidade foi admitida na divulgação das contas do setor público pelo Banco Central (BC), na semana passada.

Na avaliação da consultoria da Câmara, o governo deverá executar no, máximo, R$ 35,6 bilhões dos recursos previstos para o PAC, o que seria suficiente para compensar a frustração de receitas e complementar a meta de superávit. No entanto, isso só será possível porque ao longo do ano o governo valeu-se de manobras e contabilidade criativa para equilibrar as contas. Um exemplo é a entrada de dividendos nos cofres públicos, que deve chegar a R$ 26 bilhões, R$ 10 bilhões além do previsto no começo do ano e R$ 6,8 bilhões acima do montante arrecadado até setembro: R$ 19,2 bilhões.

Enquanto faz aportes bilionários em bancos como o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, em formato de empréstimos e sem impacto na despesa primária, o Tesouro pega de volta dividendos, que servem para engordar o caixa.

- O problema é que, no fundo, o governo está usando uma política fiscal expansionista, mas não assume. Usa dividendos, PAC, faz uma contabilidade criativa que parecia ter sido abandonada em 2011, mas que foi retomada com vigor - observou o economista Felipe Salto, especialista em contas públicas, da Tendências Consultoria.

Ele destacou que, desde 2008, os créditos para o BNDES aumentaram exponencialmente, de R$ 6,6 bilhões para R$ 333,7 bilhões. A seu ver, embora o governo continue buscando controlar a inflação, o terceiro tripé da economia, o da política fiscal, já foi praticamente abandonado. No caso do câmbio flutuante, há uma banda implícita, entre R$ 2 e R$ 2,10.

- O tripé não é mais o arcabouço para lidar com o problema, para alcançar o objetivo de reduzir a dívida em relação ao PIB. O governo tem de mostrar agora qual é o arcabouço e o que espera - analisou.

A contabilidade criativa criticada por especialistas é para compensar a queda acentuada da arrecadação federal. Em relação ao decreto de fevereiro, que previa uma receita administrada da ordem de R$ 699,8 bilhões, a frustração foi de R$ 34,8 bilhões na última avaliação. E integrantes da equipe econômica já admitem a possibilidade de a meta de R$ 655 bilhões ser revisada para baixo no decreto do próximo dia 20. Até setembro, a receita chegou a R$ 479 bilhões.

Além da queda na lucratividade das empresas, fontes do governo avaliam que a atual gestão fez muitas bondades e privilegiou o consumo, com desonerações como a da folha de pagamento e reduções de impostos para veículos, em vez de uma forte política de investimento para longo prazo.

O economista Fernando Montero, da Convenção Corretora, observou que o Tesouro pode lançar mão dos recursos do Fundo Soberano, criado em 2008 para formar uma poupança pública e auxiliar projetos de interesse estratégico do Brasil - que hoje tem R$ 15,8 bilhões em sua carteira.

- Está difícil até alcançar o superávit abatido. É um desafio. Mas eles vão se esforçar muito para fazê-lo - avaliou.