Título: Troca de gerações
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 14/10/2009, O Mundo, p. 16

Estados Unidos e Brasil finalizam os preparativos para substituir seus embaixadores em Brasília e Washington por diplomatas na faixa dos 50 anos. Indicação de Barack Obama esbarra em obstáculo no Congresso

A representação dos EUA em Brasília: embaixador partiu em agosto, mas senador de oposição retarda envio do substituto indicado por Obama

Em breve, as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos contarão com novos atores. Os nomes dos próximos embaixadores já são conhecidos, mas detalhes ainda impedem a confirmação de Mauro Vieira e Thomas Shannon para os postos de Washington e Brasília, respectivamente. Nos Estados Unidos, o entrave é representado pela oposição de apenas um senador na Comissão de Relações Exteriores. No Brasil, a ida de Vieira depende de duas movimentações: a confirmação do atual secretário-geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, e a do atual embaixador em Washington, Antônio Patriota, para o lugar de Guimarães.

A escolha dos dois novos embaixadores tem sido comemorada pelos dois lados, já que ambos possuem grande experiência em assuntos da região ¿ Vieira é embaixador em Buenos Aires desde 2004 e Shannon, subsecretário de Estado para o continente americano desde 2005. ¿Tradicionalmente, o Brasil manda diplomatas experientes a Washington. E a indicação do Vieira é positiva, porque ele tem no currículo o fato de ter sido embaixador no segundo posto mais importante da região¿, avalia o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer. ¿Patriota foi enviado a Washington muito verde, nunca tinha ocupado um posto de embaixador.¿

Para Fleischer, Vieira tem grandes desafios pela frente. ¿Terá de mostrar muito jogo de cintura, porque os EUA são um país grande, com muitos consulados-gerais para administrar, e restam muitos conflitos comerciais e opiniões políticas diferentes entre Brasil e EUA, como o posicionamento sobre Honduras e Irã¿, destaca o cientista político. Segundo ele, um embaixador em Washington precisa ¿lidar com todas as forças políticas dentro dos EUA¿. ¿Não é só com o presidente Obama e o Departamento de Estado. Tem vários grupos de empresários, muitas ONGs voltadas à América Latina, algumas delas críticas ao Brasil.¿

O fato de Vieira assumir a embaixada em Washington a pouco mais de um ano da saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do poder não é visto como problema pela professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Cristina Pecequilo, especialista em EUA. ¿Se houver continuidade de agenda (no governo), não vejo como uma fase de transição. Além disso, a expectativa é de que os esforços que vêm sendo desenvolvidos nas relações bilaterais continuem. Os EUA permanecerão como o parceiro individual mais importante do Brasil¿, afirma.

Nova geração Essa será a segunda indicação consecutiva de um diplomata relativamente jovem para Washington: Vieira tem 58 anos, e Patriota assumiu a embaixada com 52, enquanto Rubens Barbosa e Roberto Abdenur, que antecederam aos dois, chegaram aos EUA com 61 e 62 anos, respectivamente. Pecequilo encara os novos nomes como uma ¿mudança importante, uma troca de geração, e a partir daí uma nova realidade¿.

Thomas Shannon também assumirá a embaixada norte-americana em Brasília na casa dos 50 anos, mas trazendo na bagagem a experiência do cargo mais importante da diplomacia americana para a América Latina. ¿Shannon é um dos nossos melhores diplomatas e conhece a região como nenhum outro. Sua escolha para o Brasil demonstra a importância dessa relação bilateral para o governo Obama¿, ressalta o especialista Philip Levy, do American Enterprise Institute, em Washington.

Oposição obstrui Shannon

Há quase cinco meses, o Departamento de Estado anunciou que o novo embaixador dos EUA no Brasil seria o atual número um da diplomacia para a América Latina, Thomas Shannon. Em julho, o Comitê de Relações Exteriores do Senado, responsável pela confirmação dos nomes para esses postos, realizou duas audiências para aprovar o indicado por Barack Obama, mas objeções colocadas por senadores republicanos adiaram, por tempo indeterminado, o aval necessário para Shannon assumir. Enquanto a pendência não se resolve, a embaixada em Brasília é chefiada pela encarregada de negócios, Lisa Kubiske, uma vez que o embaixador Clifford Sobel deixou a representação norte-americana há quase dois meses.

O principal entrave é colocado por apenas um senador, o republicano James DeMint, da Carolina do Sul, que usa as confirmações de Shannon e de seu sucessor no Departamento de Estado, Arturo Valenzuela, como objeto de barganha. DeMint, que não concorda com a posição adotada pelo governo Obama em relação a Honduras, já afirmou que não vai suspender as restrições colocadas à aprovação dos dois nomes ¿enquanto o governo não buscar uma saída com o governo hondurenho, para reconhecer as eleições de novembro, e não restabelecer a ajuda americana ao país, que foi cortada¿. A administração Obama critica o senador, ¿continua usando essa retórica equivocada de que o que aconteceu em Honduras foi um golpe militar, sendo que está claro que o governo hondurenho agiu de acordo com sua Constituição¿.

Procurado pelo Correio, o senador Richard Lugar, líder da minoria republicana no comitê, disse, por meio da assessoria, que o parlamentar tem tentado resolver o impasse ¿conversando com a secretária de Estado, Hillary Clinton, o líder da maioria no comitê, John Kerry, e o senador DeMint¿.

Para o especialista Ray Walser, da Fundação Heritage, está claro que o entrave se refere muito mais às decisões políticas tomadas pelo governo Obama do que às qualificações de Valenzuela ou Shannon. Philip Levy, do American Enterprise Institute, concorda. ¿Isso é o subproduto da frustração republicana no Senado com a política do governo Obama para Honduras. Seria muito melhor se houvesse um diálogo bipartidário aberto, como o presidente prometeu em campanha, e os qualificados candidatos fossem autorizados a assumir seus postos¿, afirma.

Levy vê o atraso nas nomeações como uma situação ¿muito lamentável¿ e que não ajuda o país. ¿Essas duas posições são vitais para a diplomacia americana. A relação dos EUA com o Brasil é uma das mais importantes. Dado o leque de temas que os dois países têm em comum ¿ como as relações no continente, energia, meio ambiente e comércio ¿, a relação requer um embaixador capacitado no cargo, e trabalhando muito¿, observa o especialista. (IF)

Novas faces

Embaixada do Brasil em Washington Sai: Antônio de Aguiar Patriota, 55 anos, ocupou o posto desde fevereiro de 2007

Entra: Mauro Luiz Iecker Vieira, 58 anos. Natural de Niterói (RJ), formou-se em direito pela Universidade Federal Fluminense, em 1973, e no mesmo ano ingressou na carreira diplomática. Seu primeiro posto no exterior foi justamente em Washington, de 1978 a 1982. Depois, serviu no Uruguai, de 1982 a 1985, e no México, entre 1990 e 1992. Enviado a Paris de 1995 a 1999, voltou ao Brasil para assumir como chefe de gabinete do secretário-geral, entre 1999 e 2002. Em janeiro de 2003, tornou-se chefe de gabinete do chanceler Celso Amorim. Seu primeiro posto como embaixador foi em Buenos Aires, o segundo mais importante do continente, onde está desde 2004. Teve papel fundamental em episódios-chave das relações Brasil-Argentina nos últimos anos, como a tensão entre a Petrobras e o governo de Néstor Kirchner.

Embaixada dos EUA em Brasília Sai: Clifford Sobel, 60 anos, no posto desde agosto de 2006

Entra: Thomas A. Shannon, 51 anos. A maioria dos postos ocupados por ele em 25 anos de carreira diplomática se concentra na América Latina, o que o tornou um dos nomes mais importantes do Departamento de Estado para a região. Entre 1989 e 1992, esteve no Brasil, onde aprendeu a falar português fluentemente. Desde outubro de 2005, é subsecretário de Estado responsável pelo continente americano. Antes, tinha sido assistente especial do presidente e diretor de Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, de 2003 a 2005. Foi vice-representante dos EUA na Organização dos Estados Americanos, entre 2000 e 2001. Sob Bill Clinton, atuou como diretor de Negócios Interamericanos do Conselho de Segurança Nacional.