Título: Currículo pode ter mais duas disciplinas obrigatórias
Autor: Lauro Neto
Fonte: O Globo, 10/12/2012, País, p. 6

Projeto do Senado prevê aulas de ética e cidadania; MEC teme sobrecarga de matérias

Aprovado no mês passado no Senado, o projeto de lei que prevê a inclusão de duas novas disciplinas obrigatórias (Cidadania Moral e Ética, no ensino fundamental, e Ética Social e Política, no médio) já está causando polêmica antes de ser votado na Câmara de Deputados. Os defensores da proposta do senador Sérgio Souza (PMDB-PR) argumentam que a atual crise de valores e o cenário de corrupção justificam os conteúdos. Mas educadores ouvidos pelo GLOBO são contra, alegando principalmente que a grade curricular do ensino básico já está saturada.

O próprio Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) reprovam a iniciativa. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, frisa que as escolas públicas já têm 13 disciplinas obrigatórias.

- A sobrecarga não contribui para o aluno ter foco nas disciplinas essenciais, que são Matemática, Língua Portuguesa e Ciências.

Presidente do Consed, Maria Nilene Badeca da Costa diz que os dois órgãos trabalham juntos na reformulação da Educação básica. Para ela, a inclusão das disciplinas inviabilizaria o projeto político pedagógico das escolas.

- Os currículos estão sobrecarregados. Não é necessário alterar a legislação. O Consed acredita que a experiência educacional já indica fortemente conteúdos relativos à ética, cidadania e política - disse Maria Nilene.

De acordo com o Consed, esses conteúdos devem ser tratados como eixos transversais, permeando a formação dos estudantes em todos os componentes curriculares.

Mas o senador Sérgio Souza (PMDB-PR) defende sua proposta. Ele cita um levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial, com 60 países, que colocou o Brasil na 50ª posição no ranking de corrupção, e no 55º lugar na ineficiência da Justiça. Questionado se o projeto não seria um mea culpa por parte da classe política, Souza rebateu:

- Se formarmos cidadãos conscientes para serem representantes, eles irão para a política com propósitos diferentes, que não sejam voltados ao próprio interesse econômico. O cidadão já é corrupto no momento em que quer levar vantagem na fila do pedágio ou do mercado. A cultura brasileira tem isso de ser país do jeitinho, é vergonhoso.

Souza contestou também os argumentos da falta de tempo e espaço no currículo:

- Com a proposta de período escolar integral, essa justificativa cai por terra. Antes de discutirmos se há espaço, temos que discutir se é importante.

Os argumentos não convencem Regina de Assis, que foi relatora das diretrizes curriculares no Conselho Nacional de Educação e endossa as críticas.

- Isso é desconhecimento de currículo. Não vejo necessidade de incluir mais duas disciplinas. Já faz parte das metas curriculares e dos projetos político-pedagógicos. Desde a creche tem que se ensinar a ética a partir de valores e da prática - diz Regina, doutora em Educação.

Victor Notrica, presidente do Sindicato dos Professores de Escolas Particulares do Rio de Janeiro, diz que o conteúdo proposto pelas novas disciplinas já é trabalhado. Ele ressaltou que já há dificuldade de se cumprir o currículo atual nos 200 dias e 800 horas/ano obrigatórios por lei e salientou ainda que talvez não haja docentes especializados para dar esses conteúdos em disciplinas específicas. Segundo Notrica, se aprovada, a legislação causaria hipersaturação na carga horária.

Colégios cariocas alegam que transmitem esses valores em outras disciplinas. O pH, por exemplo, tem a Aula de Vida para o ensino fundamental e de Atualidades para o médio. O diretor de ensino da rede, Rui Alves, disse que, se a proposta virar lei, o colégio adaptará o conteúdo e trocará os nomes das matérias:

- São disciplinas importantes para a formação dos alunos. A grande preocupação é contornar essa situação dentro da grade desses segmentos.

Secretária municipal de Educação, Cláudia Costin também está preocupada com a carga horária.

- Enquanto não resolver a questão da carga horária, sou contra. Nas nossas 119 escolas com 7 horas diárias, estamos incluindo a disciplina Educação para Valores. Nas demais, com média de 4 horas de aula/dia, se entrar mais uma disciplina, teremos menos tempo para Matemática, Português e Ciências, que têm se saído tão mal em rankings internacionais.

O texto do senador não é o primeiro a propor mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. A alteração mais recente aconteceu em abril deste ano, quando foram incluídos os princípios de proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos dos ensinos fundamental e médio nas escolas.

Mas há outros exemplos. Em 2008, a inclusão de Filosofia e Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio gerou polêmica e até hoje é questionada. No mesmo ano, a música passou a ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do ensino de Artes. Incluiu-se também o estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena em todo o currículo dos ensinos fundamental e médio. Mais recentemente, em 2011, o estudo dos símbolos nacionais foi no ensino fundamental.