Título: De volta ao topo
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 16/10/2009, Mundo, p. 18

Brasil conquista seu 10º mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU

Reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York: multilateralismo e decisões cruciais para o planeta

A partir de 1º de janeiro de 2010, o Brasil ocupará, pela 10ª vez, um mandato de dois anos como membro não permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A eleição do país, que agora atinge a marca de participações só conseguida pelo Japão, já estava praticamente certa ¿ por ser o único candidato da América Latina e do Caribe ¿ e foi confirmada por 182 dos 190 votos na Assembleia Geral. Para o Itamaraty, um novo mandato do Brasil, que substituirá a Costa Rica, ¿com certeza¿ reforça a candidatura do país para um assento permanente.

¿As discussões sobre a reforma não se dão exatamente no Conselho de Segurança, mas os membros permanentes também participam desses debates. Representará um peso maior sim¿, disse ao Correio a embaixadora Vera Machado, subsecretária de Assuntos Políticos. Para ela, a eleição do Brasil é mérito da atuação, nos últimos anos, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do chanceler, Celso Amorim, e da embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, que responde pelo Brasil nas Nações Unidas e será a representante nacional no Conselho. ¿O grande mérito disso é, em primeiro lugar, do presidente Lula. Não que ele fizesse campanha, mas a popularidade, aceitação e apreço que ele tem angariado no mundo são uma base muito importante¿, afirmou Vera Machado. O governo brasileiro, no entanto, também fez a sua ¿campanha¿ entre os países-membros do organismo, com direito a panfletos que destacavam as credenciais do Brasil para o posto, como as mais de 30 missões de paz em que o país participou e sua crescente atuação no G-20 e no chamado G-13 (G-8 mais cinco países). A resposta foi positiva, já que apenas um país votou contra o Brasil ¿ o voto foi para a Venezuela, que nem era candidata ¿ e sete se abstiveram. Pouco antes da eleição, Amorim se mostrava confiante e já prometia manter os esforços em favor ¿da paz mundial¿. ¿Nós sempre demos uma contribuição para a paz mundial e, com essa escolha, continuaremos dando¿, afirmou, durante um evento do ministério no Rio de Janeiro.

Os outros países eleitos foram Bósnia e Herzegovina, Gabão, Líbano e Nigéria, que se somarão à Áustria, ao Japão, ao México, à Turquia e a Uganda, que cumprem mandato relativo a 2009 e 2010. Em 31 de dezembro, deixam o Conselho de Segurança Burkina Faso, Costa Rica, Croácia, Líbia e Vietnã. Os 10 membros não permanentes não têm poder de veto ¿ que cabe apenas aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha, à França, à Rússia e à China ¿, mas possuem algum poder no órgão, pois as resoluções no Conselho necessitam de nove votos a favor e nenhum veto para serem aprovadas. O Brasil já havia sido eleito para o posto em 1946, 1951, 1954, 1963, 1967, 1988, 1993, 1998 e 2004.

Haiti Em comunicado, o Itamaraty afirmou que as prioridades do Brasil como membro eleito incluirão, entre outras, ¿a estabilidade no Haiti, a situação na Guiné-Bissau, a paz no Oriente Médio e os esforços em favor do desarmamento¿. Também destaca a importância que o país dará ao Direito Internacional Humanitário, à evolução das operações de manutenção da paz e à promoção de uma polícia que articule a segurança com a promoção do desenvolvimento socioeconômico. O Haiti, entretanto, deve ser o principal enfoque, já que a participação brasileira na Minustah (missão de estabilização da ONU no país) é a mais importante e a que dá maior projeção ao país hoje.

Para o professor Mark Katz, especialista em Nações Unidas da George Mason University, a eleição do Brasil é positiva e reflete o momento de ¿crescente força política e econômica do país¿. Entretanto, ele alerta para o efeito de ¿compensação¿ da decisão. ¿Eu temo que, elegendo o Brasil para seu 10º mandato como membro não permanente, os atuais membros permanentes tentem desviar a intenção do país para sua aspiração inicial, tornando-o permanentemente um membro não permanente¿, avalia.

Obama vem em breve

O atual embaixador brasileiro em Washington, Antonio Patriota, que em breve se tornará secretário-geral do Itamaraty, afirmou ontem que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deve visitar o Brasil no fim deste ano ou no início de 2010. Segundo ele, Obama quer incluir na visita o Chile, e gostaria de fazê-lo antes da saída de Michele Bachelet, no começo de março. No entanto, alguns pontos precisam ser acertados até lá. Um deles é a confirmação de Thomas Shannon, indicado para assumir a embaixada americana em Brasília, e Arturo Valenzuela, que substituirá Shannon no principal cargo do Departamento de Estado para a América Latina. Estas confirmações, por sua vez, estão atreladas a um desfecho da crise em Honduras.

Vitrines diplomáticas

Principais frentes de atuação do Brasil no cenário mundial:

Honduras A diplomacia brasileira ganhou pontos por ter arcado com o ônus de receber na embaixada o presidente deposto Manuel Zelaya, cuja recondução ao poder tem apoio praticamente unânime na comunidade internacional.

Mudança climática A posição brasileira é vista como uma das chaves para um acordo na conferência de dezembro em Copenhague, onde a ONU buscará um tratado que suceda ao Protocolo de Kyoto a partir de 2012.

Negociações comerciais O país integra com os EUA, a União Europeia e a Índia o quarteto que coordena a busca de um acordo para destravar a Rodada de Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Crise financeira Como um dos primeiros países a saírem da crise financeira, o Brasil tem ganhado autoridade entre os integrantes do G-20, que reúne as maiores economias do mundo. Isso tem reforçado a posição dos que defendem a ampliação do G-8 para incluir o Brasil e mais quatro emergentes (China, Índia, África do Sul e México).

Haiti A força de estabilização da ONU atua no país há cinco anos, sob comando brasileiro. A despeito das dificuldades que persistem, o trabalho é reconhecido, local e internacionalmente, e tem dado ao governo autoridade para cobrar compromissos dos países ricos com a reconstrução econômica.

Personagem da notícia A vez das mulheres

Em sua 10ª participação como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil será representado pela embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, de 55 anos, uma das diplomatas brasileiras com mais experiência nas Nações Unidas. Economista, formada pela Universidade de Brasília (UnB), Maria Luiza iniciou a carreira em 1976 e seu primeiro posto no exterior foi justamente na missão do país na Organização das Nações Unidas, entre 1985 e 1988. Em 2005, assumiu como encarregada da missão.

Atualmente, é representante permanente do Brasil nas Nações Unidas, posto que exerce desde julho de 2007. Também é presidente da Comissão para a Configuração do Processo de Manutenção de Paz da ONU para a Guiné-Bissau. Nas Nações Unidas, tem defendido a posição do Brasil sobre o meio ambiente, operações de paz e a reforma do Conselho de Segurança.

Dentro do Itamaraty, Maria Luiza foi coordenadora executiva do gabinete do ministro, diretora-geral do Departamento de Organizações Internacionais e do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, e chefe da Divisão da América Meridional I (relativa a Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile).

Negociadores fecham detalhes

Viviane Vaz

Nenhum detalhe falta no enredo da crise política hondurenha. O ultimato do presidente deposto, Manuel Zelaya, para voltar à presidência venceu às 24h de ontem, enquanto a população comemorava a vitória na partida de futebol contra El Salvador e a garantia de que a seleção hondurenha participará da Copa na África do Sul em 2010. O presidente interino, Roberto Micheletti, decretou feriado nacional em homenagem ao feito ¿ o time não se classificava para o mundial desde 1982. Ao desembarcar em Tegucigalpa, o atacante Carlos Pavón dedicou o gol da vitória ao país e recordou a triste realidade aos torcedores, declarando que Honduras ¿está em um momento crítico¿.

Os representantes de Zelaya e do presidente interino, Roberto Micheletti, continuavam a negociar os últimos detalhes do acordo para devolver o país à estabilidade. ¿Conseguimos um consenso de 100% sobre o Acordo de San José, em todos os seus pontos, e conseguimos elaborar o texto correspondente¿, declarou o porta-voz de Manuel Zelaya, Rasel Tomé. Na manhã de ontem, os jornais locais publicaram novas versões sobre o acordo, inclusive a possibilidade de o negociador de Zelaya, o ex-ministro do Interior Victor Meza, assumir a presidência em lugar do mandatário deposto. Por telefone, de Tegucigalpa, Tomé desmentiu a história ao Correio. ¿A soberania popular é inegociável, e neste momento se representa através da instituição da presidência pelo cidadão Manuel Zelaya. Não é possível o retorno por meio da figura de Victor Meza¿, declarou.

No entanto, até o fechamento desta edição, as mesas de diálogo ainda avaliavam qual seria a saída legal para reconduzir Zelaya ao cargo ¿ se o caso seria analisado pelo Congresso Nacional ou pelo Supremo Tribunal de Justiça. ¿Estão pedindo que seja o Congresso que determine se ele pode regressar ou não, mas é um assunto legal, definitivamente cabe ao Supremo¿, reclamou Micheletti. Por outro lado, Tomé defendeu a posição do presidente deposto. ¿Não é que Zelaya prefira o Congresso, mas é que isso consta do documento base, que é o Acordo de San José¿, justificou o braço direito do presidente afastado. ¿Agora, estamos na etapa de validação política, tendo como caminho continuar em direção ao Congresso Nacional¿, concluiu.