Título: Fôlego curto
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 21/10/2009, Economia, p. 12

Dólar subiu quase 3% desde sexta-feira, mas especialistas afirmam que movimento vai durar pouco. Tendência, dizem eles, ainda é de queda

A alta do dólar gerada pela decisão de taxar a entrada de capital estrangeiro no país será passageira. A medida, que entrou em vigor ontem, deve estancar o derretimento da moeda no máximo até o fim do ano. O efeito de curtíssimo prazo foi expressivo, com uma valorização de 2,99% desde sexta-feira, quando começaram os rumores de que o governo cobraria o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os recursos. Só ontem, o câmbio subiu 2,14%, a maior variação positiva desde 22 de junho, com a divisa fechando em R$ 1,754. A tendência, porém, é que os investimentos continuem a aportar no Brasil e a cotação volte a cair. Alguns analistas chegam a apostar em algo como R$ 1,40 no ano que vem.

¿A medida terá efeito temporário porque gerou muita incerteza. Os investidores temem que o governo não pare por aí e estabeleça outros mecanismos de controle para segurar o dólar, como um reforço na alíquota do IOF ou uma quarentena (prazo mínimo no qual o dinheiro deve permanecer no país)¿, avalia o estrategista-chefe do banco WestLB, Roberto Padovani. Ele cita quatro fatores que continuarão empurrando o câmbio para baixo: a menor aversão ao risco de países emergentes, o enfraquecimento global do dólar, o aumento na renda dos exportadores com a recuperação dos preços das commodities e a maior confiança na economia nacional.

Tudo isso conspira para a manutenção de um real forte. Para Padovani, os ganhos com as aplicações continuarão muito rentáveis, apesar do IOF de 2%. Por isso, o dinheiro vai continuar chegando. Neste ano, os investimentos estrangeiros em bolsas de valores, títulos públicos e renda fixa somaram US$ 116 bilhões até agosto. Na projeção do economista, o dólar tende a oscilar em torno de R$ 1,70 até o fim do ano. ¿Em 2010, deve voltar a cair gradualmente até ficar abaixo do piso observado antes do agravamento da crise, que foi de R$ 1,55 em agosto do ano passado¿, diz.

O temor de que os investimentos estrangeiros em ações caiam momentaneamente causou um tombo de 2,88% na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ontem. Entre os papéis que mais se desvalorizaram, está o da própria BMF/Bovespa, com retração de 8,41%. Com a expectativa de menos dinheiro girando na bolsa, diminui também a perspectiva de lucro da empresa que a administra. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os estrangeiros investiram em torno de US$ 20 bilhões na Bovespa neste ano. Analistas acreditam que, na sessão de ontem, os investidores usaram a taxação como pretexto para se desfazer de suas aplicações e embolsar o lucro obtido nas últimas semanas.

Na avaliação de experiente economista de banco de investimento, a queda da bolsa e a alta do dólar são efeitos temporários da tributação do capital estrangeiro. ¿Não há medida que possa corrigir a tendência atual de queda no câmbio. O Brasil é o mercado mais atraente do mundo. Por isso, o dinheiro continuará chegando.¿ Para ele, os investidores estavam testando um novo piso para a moeda americana e vão continuar fazendo isso até que se chegue a R$ 1,40.

Gangorra

Avaliação do efeito da cobrança de imposto sobre capital estrangeiro se a cotação do dólar realmente subir

Quem ganha

Governo A arrecadação, que está em baixa há 11 meses, vai ter um reforço de pelo menos R$ 4 bilhões por ano

Exportadores Com o real menos valorizado, os produtos nacionais ficam mais competitivos no mercado internacional

Turistas estrangeiros no Brasil O dólar em alta torna as viagens ao país mais baratas para quem vem de fora. O turista pode gastar mais, melhorando as contas brasileiras

Setor hoteleiro A possibilidade de aumento no fluxo de turistas estrangeiros tende a favorecer os segmentos do turismo receptivo, como os hotéis, bares e restaurantes

Trabalhador que recebe em dólar Cada dólar recebido vai valer mais em reais. Assim, os salários dos funcionários de organismos internacionais, por exemplo, aumentam naturalmente

Intervencionistas A ala do governo que prega uma maior intervenção na economia conseguiu convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da necessidade da medida e se fortaleceu

Quem perde

Investidores estrangeiros Os aplicadores de recursos no país, mesmo os que pretendem ficar com o dinheiro investido mais tempo, terão uma redução na rentabilidade com a taxação e a alta do dólar

Investidores em bolsa Com a possibilidade de redução no fluxo de capital estrangeiro, a bolsa tende a se enfraquecer. Mesmo os brasileiros teriam seus investimentos desvalorizados. Empresas que planejavam abrir o capital podem desistir

Importadores O enfraquecimento do real frente ao dólar diminui o poder de fogo de quem compra mercadorias no exterior. Isso vale também para os consumidores que usam a internet para adquirir produtos em lojas estrangeiras

Turistas brasileiros no exterior Viajar para outros países deve ficar mais caro. Quem está gastando dinheiro lá fora e voltar nos próximos dias pode ter uma surpresa na hora de pagar o cartão de crédito

Agências de viagem voltadas ao exterior O fluxo de embarques pode diminuir com o encarecimento do dólar. As agências e demais segmentos que trabalham com o turismo para fora tendem a perder

Liberais A ala do governo que defende mais liberdade econômica, com menos intervenção do governo, perdeu essa batalha e se enfraqueceu na disputa interna de poder

Sem susto para turistas brasileiros

O presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) do Rio de Janeiro, Luís Strauss de Campos, acredita que a alta recente do dólar não vai afetar as vendas de pacotes turísticos para o exterior. Nas suas estimativas, enquanto o câmbio estiver flutuando num nível abaixo de R$ 2, viajar para fora do país continuará sendo um bom negócio para os turistas. Alguma redução na procura só começaria a ser sentida caso a cotação passasse muito de R$ 2. Ainda assim, há a possibilidade de as operadoras fazerem descontos para manter o número de negócios.

¿Nosso segmento está muito aquecido no Brasil e deve continuar assim. Com o aumento de renda nos últimos anos, muita gente está fazendo sua primeira viagem, seja internamente ou para o exterior. Um aumento no câmbio de 4% ou 5% não compromete essa tendência e não vai afetar os nossos produtos em dólar, como os pacotes ou os cruzeiros¿, diz. Segundo Campos, cerca de 12 milhões de brasileiros viajavam por ano há 4 anos. Hoje, são 15 milhões, embarcando em média três vezes anuais. A competição entre as agências também aumentou, o que contribuiria para segurar os preços.

O especialista em finanças pessoais Marcos Crivelaro duvida que a medida do governo trará algum impacto sobre o desejo dos brasileiros de viajar para o exterior. A alta temporada de fim de ano já está sendo vendida. A partir de janeiro, os reflexos no setor vão depender do nível do câmbio. De qualquer forma, ele recomenda precaução a quem pretende passar um tempo fora do país. Se a viagem estiver planejada para os próximos meses, seria bom fechar logo o pacote para escapar de um eventual aumento de preços.

Se a perspectiva é só para 2010, a sugestão é que o turista se informe sobre o preço em dólares ou euros de sua viagem e compre a moeda correspondente a esse valor o mais rapidamente possível. ¿Assim, ele se protege de alguma variação muito brusca. Alguns países exigem vistos, que também são cotados em dólar. Essa tarifa deve ser incluída na conta¿, lembra. Outra dica é fechar logo o maior número de serviços, como alimentação no hotel e traslado. O objetivo é evitar uma surpresa negativa ao ter que pagar o cartão de crédito na volta. Crivelaro acha que será preciso esperar pelo menos uma semana para se ter alguma ideia do que vai ocorrer com o câmbio. (RA)

Efeito na arrecadação

Deco Bancillon

A decisão do governo de taxar o capital estrangeiro especulativo tende a reduzir o tombo que as contas públicas levaram devido à crise que abalou economias de todo o mundo. Momentos depois de comentar os dados da arrecadação federal de setembro, que caiu pelo 11º mês consecutivo, a cúpula da Receita Federal apresentou estudos que estimam que a arrecadação deve engordar cerca de R$ 4 bilhões por ano com a nova taxação às aplicações de estrangeiros.

A conta, segundo informou o órgão, foi feita com base no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) arrecadado nos últimos 12 meses, cuja série foi ajustada para reduzir diferenças de tempo e efeitos adversos, como as ofertas iniciais de ações de empresas em bolsa (IPO, na sigla em inglês). A Receita utilizou como base para chegar ao número um fluxo médio de ingressos mensal entre US$ 12 bilhões e US$ 13 bilhões. Partiu também de estimativas de que esse volume deve diminuir 20% em algum tempo. ¿Essa é uma conta minha, que fiz agora há pouco de cabeça¿, se apressou em dizer o subsecretário substituto de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Fernando Mombelli, preocupado com possíveis desdobramentos das previsões do órgão.

Pelas estimativas da instituição, mesmo que o fluxo de capital estrangeiro se reduza nos próximos meses, devido a menor atratividade das aplicações especulativas, o volume de ingressos taxados(1) em 2% renderia algo como R$ 326 milhões por mês aos cofres públicos. O dinheiro é equivalente a 85% do montante que o governo estima gastar com as desonerações à indústria de eletrodomésticos da linha branca (tanquinhos, geladeiras e fogões). E corresponde a todo o valor gasto com as desonerações de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para todos os setores da economia em abril deste ano.

Foi a propósito das política santicíclicas que o governo explicou boa parte da queda da arrecadação federal. ¿Somente com as desonerações, já foram gastos, este ano, R$ 19,5 bilhões a mais do que em 2008¿, disse o coordenador-geral de Estudos da Receita, Raimundo Eloi de Carvalho. Ele comentou os números ruins da arrecadação de setembro, que alcançou R$ 51,520 bilhões, uma queda de 1,05% ante agosto e de 7,44% ante o nono mês de 2008.

No acumulado do ano, a arrecadação foi de R$ 483,636 bilhões, contra R$ 499,225 bilhões em igual período do ano passado. Em termos reais (descontada a inflação no período), houve variação negativa de 7,83%. Em setembro, as receitas sofreram impacto negativo, segundo explicou a Receita, em razão do menor crescimento de indicadores macroeconômicos. ¿É o reflexo da crise, que ainda resiste na arrecadação tributária¿, resumiu.

1- Contratos O governo estuda editar medida jurídica que resguarde contratos celebrados no período anterior à vigência do decreto que taxou as aplicações de estrangeiros em renda fixa e no mercado de capitais. A informação é do subsecretário substituto de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Fernando Mombelli. Ele explicou que o assunto é tratado pela Casa Civil, pela Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) e pela própria Receita Federal.