Título: 500 milhões de eletrônicos à procura de um lixo
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 03/03/2013, Economia, p. 43

Brasileiro acumula produtos sem uso e sem descarte adequado. Setor terá meta de reciclagem em 2014

BRASÍLIA Quem não tem em casa ou não conhece alguém que possua um monitor de computador, um celular ou um notebook encostado? E quem não teve dificuldade para se desvencilhar de uma geladeira, por exemplo, após comprar uma nova? O Brasil consome, por ano, 120 milhões de eletroeletrônicos e eletrodomésticos, mas, ao contrário de alguns países da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá e do Japão, não está preparado para descartar esse material que, frequentemente, é atirado em aterros sanitários. São equipamentos e peças nocivos à saúde, devido à grande quantidade de metais pesados em sua composição, como chumbo e mercúrio. As estatísticas mostram que há nos lares brasileiros 500 milhões de produtos sem uso - lixo eletrônico sem descarte adequado.

Outras 976 mil toneladas de lixo foram descartadas em aterros e em locais impróprios somente no ano passado. Para amenizar esse cenário de ineficiência logística e assegurar o descarte correto desse material, o governo e os principais segmentos da cadeia de eletroeletrônicos (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes) colocarão em prática, a partir do ano que vem, um acordo setorial cuja meta a ser atingida nos próximos cinco anos é reciclar ou dar uma destinação adequada a 17%, em peso, de todos os eletroeletrônicos vendidos ao consumidor.

A quantidade estimada de resíduos, em 2018, quando o programa estiver totalmente implantado, é de 1,3 milhão de toneladas. O custo previsto para a montagem do sistema é de R$ 1 bilhão. Outra meta é atender, com estações de coleta, 100% dos municípios com mais de 80 mil habitantes, na proporção de um ponto de recolhimento para cada 25 mil habitantes.

- A partir de 2018, cada fabricante, ou importador, terá de se responsabilizar por fazer com que seja reciclado, em volume, 17% das vendas realizadas cinco anos antes. Por isso, os investimentos e possíveis metas intermediárias estarão em vigor em 2014 - explicou o diretor de competitividade industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Alexandre Comin.

Consumidor sai perdendo

Segundo Comin, o Brasil sai perdendo, por não saber tratar - desindustrializar - placas de computadores, que têm em sua composição componentes valiosos, como prata, ouro e platina, que são exportados principalmente para o Japão:

- Dentro de uma placa de computador, por exemplo, há metais preciosos em quantidades pequenas. Já existe tecnologia para que se aproveite economicamente esse material, mas o Brasil não a detém.

A proposta é ousada, pois será preciso o surgimento de uma indústria de reciclagem capaz de reaproveitar toda a sucata. Para isso, o governo estuda benefícios como desonerações tributárias e linhas baratas de financiamento. O consumidor terá de devolver seus produtos e embalagens aos comerciantes ou distribuidores que, por sua vez, os encaminharão aos fabricantes ou importadores, que darão a destinação final.

Essa responsabilidade compartilhada explica o conceito de sistema de logística reversa (SLR), que visa à restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento no ciclo produtivo, ou para destinação final ambientalmente correta. O SLR é uma regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos que, embora tenha começado a ser discutida no Congresso em 1991, só foi aprovada em 2010. Os países que possuem sistemas semelhantes passaram a pôr em prática o mecanismo no início da década passada.

Para Andrea Portugal, secretária-executiva do Comitê para a Democratização da Informática (CDI), é importante que se conscientize o consumidor sobre o destino dos resíduos, mas também é necessário que as empresas deem condições para isso.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica, Humberto Barbato, disse que o setor não tem dúvidas de que poderá reciclar 100% do que for coletado. Mas preocupa-se com os produtos sem origem de fabricação, pois a indústria não pode ser responsabilizada pelo que não fabricou.