Título: Dom Pedro Casaldáliga diz que escolha foi respiro para a Igreja
Autor: Mendes, Adriana
Fonte: O Globo, 15/03/2013, Mundo, p. 39

Defensor dos índios e dos direitos humanos, dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), disse ontem que foi um "respiro" para a Igreja Católica a eleição do argentino Jorge Mario Bergoglio, um jesuíta, como novo chefe da Santa Sé. Para ele, que sempre defendeu uma Igreja pobre voltada para o povo, o nome Francisco é "mais que um nome".

- Eu temia outro (Papa). A escolha significa mudança na pessoa do Papa. Evidentemente, o Papa sozinho não é a Igreja, mas é responsabilidade de todos - disse Casaldáliga, por telefone.

No entanto, também lembrou que paira o "tempo sombrio" da Igreja argentina no período da ditadura, em que se reclama da omissão a um regime sangrento. Esperançoso por mudanças, defende uma Igreja voltada para os pobres e solidária na defesa dos direitos humanos, dos povos indígenas e dos negros.

Aos 85 anos, Casaldáliga vive em uma casa simples, sempre com as porta abertas, no interior de Mato Grosso. É ativo intelectualmente, apesar das limitações físicas imposta pelo Mal de Parkinson (doença neurológica). Anteontem, acompanhou o anúncio pela televisão, temendo a escolha de um Papa mais conservador. No pontificado de João Paulo II, o bispo emérito do Araguaia foi punido por sua atuação progressista.

Casaldáliga é um dos representantes mais expressivos da Teologia da Libertação, corrente dos chamados "movimentos de base" no Brasil, que também se espalhou pela América Latina. A corrente foi condenada pela Igreja por identificar em seus postulados "princípios marxistas".

Ele espera que o novo Papa adote medidas importantes. Elogiou a simplicidade do sucessor de Bento XVI, o espírito evangelizador e o simbolismo do primeiro gesto, ao se inclinar diante dos milhares de fiéis que o aguardavam na Praça de São Pedro, no Vaticano.

- Primeiro, ele pediu para o povo abençoá-lo, para, depois, abençoar o povo. É um estilo diferente - disse Casaldáliga.

O bispo também é escritor e poeta. O poema "Deixe a Cúria, Pedro" foi lembrado por Leonardo Boff, em uma reflexão pós-renúncia de Bento XVI. O texto critica a Cúria Romana e a "legião de mercenários", além de pedir mais atenção aos fiéis, assim como uma Igreja mais simples e próxima do povo.

"O povo é apenas um "resto", um resto de esperança. Não o deixe só entre os guardas e príncipes. É hora de suar com a sua agonia. É hora de beber o cálice dos pobres e erguer a Cruz, nua de certezas, e quebrar a construção - lei e selo - do túmulo romano, e amanhecer a Páscoa", diz o poema.

Ao se aposentar quando completou 75 anos, Casaldáliga defendeu que os mais velhos deem espaço os mais novos na Igreja: "Cargos vitalícios não são muito oportunos", declarou. Nascido em Balsareny, província de Barcelona, o bispo chegou a Mato Grosso em 1968 e ali sempre trabalhou em defesa dos índios e dos pobres. Em 1971, quando foi nomeado bispo, preferiu colocar na cabeça um chapéu de palha a usar a mitra e o anel do episcopado. É um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Indigenista Missionário, ganhou notoriedade internacional ao denunciar madeireiros, invasões de terras, policiais e grandes proprietários.

Ainda hoje, apesar da saúde frágil e do corpo franzino, não deixa de levantar a voz para a defesa da minoria. No fim do ano passado, recebeu ameaças de morte por defender os índios xavantes na desocupação da terra indígena Marãiwatsédé, conhecida como Suiá-Missu. Durante a ditadura, foi perseguido e escapou de ser assassinato. Sua expulsão do Brasil foi pedida muitas vezes aos generais-presidentes da ditadura.