Título: Cerco às grandes empresas
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 29/10/2009, Economia, p. 21

Até dezembro, a Receita vai vasculhar 146 companhias que apresentaram grande queda na arrecadação para detectar possíveis fraudes

Cartaxo, da Receita: empresas contribuíram para um rombo de R$ 35,7 bi

A Receita Federal vai intensificar a fiscalização às grandes empresas, que, depois da crise e das desonerações tributárias, são as grandes causadoras da queda na arrecadação federal. Ontem, o chefe do Fisco, Otacílio Cartaxo, informou que 146 companhias terão seus balanços analisados a fio. A ideia é identificar manobras contábeis ou fraudes tributárias que possam ter sido praticadas por essas empresas e que contribuíram para o rombo de R$ 35,7 bilhões na arrecadação federal, de janeiro a setembro deste ano.

A ação foi batizada de Operação Ouro de Tolo, em alusão ao mineral sulfeto de ferro, que tem cor amarelada igual ao ouro. ¿Foi um nome escolhido pela equipe e que foi votado democraticamente¿, explica Cartaxo. A fiscalização deve durar até dezembro, e terá como alvo empresas das áreas de bebidas, cigarros, combustíveis e do setor financeiro. Ainda nesta semana, a Receita expediu mandados de procedimento fiscal às empresas, que foram identificadas em três grandes grupos.

O primeiro é composto por 100 empresas que mais contribuíram para a queda de arrecadação dos tributos PIS, Cofins e Pasep. A Receita estima que elas são responsáveis pela queda de R$ 11,8 bilhões nas receitas, somente até setembro. ¿Para se ter uma ideia, no universo das demais empresas, essa queda (de arrecadação) foi apenas de R$ 2,2 bilhões¿, lembra Cartaxo. Outras 20 empresas serão fiscalizadas por ter registrado perdas consideráveis com o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e com a Contribuição Social de Lucro Líquido (CSLL). Dados divulgados ontem mostram que, nos nove primeiros meses do ano, a perda de receita dessas 20 companhias com os dois tributos soma R$ 12,8 bilhões. Sozinho, o número equivale a 57,36% de tudo o que foi arrecadado em igual período do ano passado.

O terceiro grupo é formado por 53 empresas que fizeram compensações de crédito tributário ¿ créditos que o contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica, tem relativo a diversos tributos. A Receita explicou que algumas das empresas que aparecem no grupo das devedoras de IRPJ se repetem no das 100 maiores fiscalizadas pelo PIS e pelo Cofins. A Receita informou ainda que a fiscalização pode ter desdobramentos policiais, caso se confirmem ilegalidades nos balanços. Nas questões em que se verificarem divergências contábeis, elas poderão ser multadas em até 75% do valor devido. Constatado indício de fraude, a multa pode chegar a 150% do valor, e os diretores da companhia considerada sonegadora poderão responder judicialmente por crime contra a ordem tributária.

Análise da notícia Tentativa de mostrar serviço

A decisão de apertar a fiscalização às grandes empresas é a via menos espinhosa encontrada pelo governo para reverter a queda da arrecadação. Também é uma resposta ao mercado, que teme o não cumprimento das metas fiscais para este ano e para o próximo, em decorrência da falta de recursos no caixa do governo. Toda a equipe econômica de Lula recebeu a missão de conter os ¿terroristas fiscais¿.

Foi também para mostrar serviço ao mercado que a Receita Federal apressou o passo a fim de anunciar essa fiscalização. Conforme o Correio apurou, a ideia de Cartaxo era divulgar o material só na próxima semana. Mas teve de ser revista devido ao anúncio, hoje, dos resultados das contas do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), que devem registrar deficit, segundo projeções de especialistas.

Outro ponto ainda não digerido pela atual gestão diz respeito às críticas de que o atual comando não fiscalizaria as empresas que possam vir a ser doadoras da campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff. Desde que assumiu o cargo, o atual secretário vem produzindo estudos para confrontar a ex-secretária Lina Maria Vieira. O último deles foi uma nota divulgada à imprensa em que mostrava que, durante a gestão de Lina, a Receita havia diminuído o cerco às grandes empresas.