Título: Briga pelo sigilo
Autor: Prates, Maria Clara
Fonte: Correio Braziliense, 01/11/2009, Política, p. 4

MP tenta impedir que magistrados e prefeitos respondam separadamente ao inquérito da Operação Pasárgada

A decretação de segredo de Justiça do inquérito da Operação Pasárgada ¿ que apurou um esquema de venda de decisões judiciais para a liberação indevida do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) até agosto do ano passado ¿ e a decisão de desmembramento para diferentes réus, entre eles prefeitos, juízes, servidores públicos, desembargadores e conselheiros de tribunais de contas, levou o subprocurador-geral da República, Carlos Eduardo de Oliveira, a recorrer da decisão perante o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O segredo de Justiça, assim como o desmembramento, foi decretado pelo ministro Nilson Naves, relator do caso, no início do mês passado. Esse é apenas mais um lance das idas e vindas do caso, ainda em fase de apuração, uma vez que o sigilo do inquérito havia sido revogado pelo também ministro do STJ, ministro Paulo Galloti, há exatamente um ano. O sigilo foi decretado logo após a operação ser desencadeada em agosto de 2008, paralisando o trabalho da PF, até a revogação por Gallotti. Levantamento dos próprios federais e do Ministério Público Federal aponta que pelo menos 188 prefeituras de Minas se beneficiaram.

De acordo com a decisão de Naves, deverão responder a inquéritos em separado o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Francisco de Assis Betti, e o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas, Eli Lucas de Mendonça, hoje aposentado. Além deles, também vão responder em separado dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estados (TCE) Wanderley Ávila, Antônio Carlos de Andrada e Elmo Braz.

Conexão

O ministro Nilson Naves afirma que a medida é necessária em razão da ¿evidente ausência de conexão com os fatos originadores do Inquérito 603¿ (Operação Pasárgada). Isso significa dizer que os quatro novos inquéritos em relação à investigação principal correm sem qualquer vínculo com as fraudes apuradas pela Operação Pasárgada. Para o Ministério Público Federal, as condutas dos quatro investigados têm sim conexão com a venda de sentença para beneficiar prefeituras inadimplentes com o INSS.

Segundo o inquérito, o juiz Francisco Betti é investigado por suspeita de ter beneficiado o então prefeito de Timóteo, Geraldo Nascimento, que teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral, mediante o pagamento de R$ 60 mil, do Grupo Sim, que assessora as prefeituras participantes do esquema. Betti diz que a acusação é uma perseguição política e que não estava mais atuando como juiz eleitoral, quando Nascimento obteve sentença favorável.

Por sua vez, o desembargador Lucas de Mendonça é suspeito de prestar um falso testemunho para beneficiar o juiz da 12ª Vara Federal de Minas, Welinton Militão, outro investigado por suspeita de venda da maioria das decisões ilegais. Em troca, ele teria recebido uma medalha e um emprego para o filho. O advogado dele, Hermes Guerreiro, diz que a acusação é tão absurda que nem sequer deveria ser considerada, principalmente levando em conta ¿a trajetória profissional de Lucas de Mendonça, que enfrentou a criminalidade organizada colocando em risco a própria vida¿.

Finalmente, os conselheiros do TCE de Minas investigados por suposta facilitação na aprovação de contas de municípios mineiros, que eram clientes do Grupo Sim, suspeito de ser o verdadeiro articulador da fraude. O recurso do Ministério Público será analisado inicialmente pelo próprio ministro Nilson Naves, e pode ser levado à Corte especial, composta de 15 ministros, caso ele não concorde em reconsiderar.

Memória Prejuízo milionário

A Polícia Federal deflagrou, em abril de 2008, a Operação Pasárgada, com presença de agentes em Minas Gerais, na Bahia e no Distrito Federal. Foram cumpridos mais de 100 mandados de busca e apreensão e 50 de prisão.

Estima-se que o prejuízo aos cofres públicos tenha ultrapassado a cifra de R$ 200 milhões. A investigação identificou o envolvimento de juÍzes, prefeitos, advogados, procuradores municipais, assessores e lobistas na venda de decisões judiciais para a liberação indevida do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para cidades em débito com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O esquema envolveu prefeituras que tinham dívidas com o INSS. Os municípios têm 6% do repasse mensal do FPM retidos para ser abatidos no débito com o órgão da União. A partir do contato de lobistas, as prefeituras contratavam sem licitação um escritório de advocacia que entrava com mandado de segurança na Justiça Federal alegando que o INSS estava retendo valores superiores aos 6% regulamentares e conseguia a liberação dos recursos excedentes de forma ilegal.

Entre os detidos na operação estavam 16 prefeitos (14 de Minas Gerais, um deles afastado do cargo, e dois da BA), quatro procuradores municipais, nove advogados, um gerente da Caixa Econômica Federal e até um juiz federal de Belo Horizonte, além de mais quatro servidores do Judiciário. Foram mobilizados 500 policiais federais e 23 analistas de controle e finanças da Controladoria-Geral da União.