Título: Battisti e o voto de Minerva
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 13/11/2009, Brasil, p. 9

Votação de ministros do STF fica empatada em quatro a quatro e presidente da Corte, Gilmar Mendes, decidirá sobre a extradição do ex-ativista italiano na próxima semana. Governo de país europeu acompanha o caso de perto

Está nas mãos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, decidir o futuro de Cesare Battisti. Caberá a ele a tarefa de desempatar o julgamento do pedido de extradição do ex-ativista italiano: há quatro votos a favor da volta de Battisti à Itália e quatro votos contrários (veja quadro).

Acusado de quatro homicídios na década de 1970, quando liderava a organização extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Battisti foi condenado à revelia pela Justiça italiana à prisão perpétua e conquistou o status de refugiado no Brasil. O governo italiano trava uma batalha para obter a extradição. (leia memória).

A expectativa é que Mendes vote a favor da extradição. Mas a resposta para o impasse deverá ser dada somente na próxima quarta-feira. Ontem, o presidente do Supremo decidiu suspender a sessão depois do longo voto de Marco Aurélio Mello, que precisou deixar o tribunal para viajar. O voto dele durou quase três horas. O ministro Dias Toffoli não vai se pronunciar. Após muita polêmica, o mais novo integrante da Corte declarou-se impedido por razões de foro íntimo. A participação do ex-advogado-geral da União era questionada pelo governo italiano.

Durante quase três horas de voto, Marco Aurélio defendeu a permanência de Battisti no Brasil. Lembrou que, segundo entendimento do tribunal, a concessão de refúgio invalida o pedido de extradição. Foi o que o STF decidiu, por exemplo, no caso do padre colombiano Olivério Medina, que ganhou o status de refugiado e não foi extraditado.

O refúgio concedido em janeiro pelo Ministério da Justiça a Battisti, sustentou Marco Aurélio, nem sequer poderia entrar em discussão. ¿É um fato a ser constatado¿, disse. Ele acrescentou, no entanto, considerar a decisão acertada. ¿A visão do ministro (da Justiça Tarso Genro) mostrou-se, acima de tudo, realista e humanitária, atendendo a noções consagradas internacionalmente.¿

Protesto Do lado de fora da Corte, manifestantes pró-Battisti promoveram um protesto na Praça dos Três Poderes. Alguns chegaram a interromper a fala do ministro Gilmar Mendes, logo no início do julgamento, gritando palavras de ordem. Foram retirados do plenário.

O advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, demonstrou confiança em um resultado favorável ao italiano. ¿Se o presidente (do STF, Gilmar Mendes) estivesse convicto, teria votado. Ele está considerando diferentes possibilidades. Se o Supremo invalidar o refúgio, haverá uma repercussão muito negativa para o sistema internacional de direitos humanos. Não há precedentes no mundo¿, declarou.

¿Caso o Supremo Tribunal Federal conceda a extradição, o que poderia ocorrer seria apenas retardar a entrega de Battisti. A entrega seria obrigatória¿, contrapôs Nabor Bulhões, que representa o governo italiano.

STF pode abrir precedente O Ministério da Justiça afirmou ontem, em nota oficial, que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai abrir um precedente se decidir pela extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti. O ministério sustenta que a decisão fará com que o Brasil receba mais pedidos de extradição de outros refugiados e que isso descumprirá a regra prevista na convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1951. A convenção, ratificada pelo Brasil, impede a extradição de refugiados, ressalta a nota oficial. Segundo o Ministério da Justiça, informações do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) indicam que representantes de diversos países já sinalizaram interesse em ¿cassar refúgios¿, diz em nota. De acordo com o Conare, atualmente 4.183 refugiados de 76 países vivem no Brasil. Battisti recebeu o status de refugiado em janeiro.

Memória Troféu para Berlusconi

A Itália trava uma verdadeira batalha para obter a extradição do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti (foto), de 54 anos. Ele é acusado de quatro homicídios ocorridos na década de 1970, quando liderava a organização extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). À revelia, o italiano foi condenado à prisão perpétua no país de origem. O julgamento terminou em 1993, mas ele nunca cumpriu pena. Fugiu para a França, onde viveu até 2004, quando o então presidente do país, Jacques Chirac, se posicionou a favor da extradição.

Battisti fugiu de novo e veio parar no Brasil. Em março de 2007, foi preso no Rio de Janeiro e transferido para Brasília. Em janeiro deste ano, ganhou o status de refugiado do Ministério da Justiça. O ex-ativista nega a autoria dos crimes e afirma ser vítima de perseguição política. Em entrevista ao Correio, Battisti chegou a dizer que a extradição seria um ¿troféu¿ para o governo de Silvio Berlusconi. (MD)

Placar empatado

Como foi a votação

A favor da extradição

Cezar Peluso Primeiro a votar, defendeu a extradição de Battisti para a Itália. Disse que a concessão de refúgio ao italiano foi ilegal. Acrescentou que não existem provas suficientes de que o italiano sofre perseguição política em seu país. E rebateu o argumento da defesa de que os crimes já teriam sido prescritos. ¿Não há nenhuma dúvida de que lhe foram assegurados todos os direitos de defesa¿, disse.

Ricardo Lewandowski Acompanhou o relator. Argumentou que a convenção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e a Lei dos Estrangeiros têm cláusula que permite a extradição quando o crime é comum e não político ¿ o que, para ele, seria o caso de Battisti. Afirmou que os crimes foram cometidos com premeditação e ¿mero sentimento de vingança¿. Também refutou o argumento de que Battisti não teve amplo direito de defesa.

Carlos Ayres Britto Disse que o relator mostrou haver justificativas suficientes para a extradição. Entendeu que não há fundamento para o temor de que Battisti será perseguido na Itália. ¿Quando a lei diz que será reconhecido como refugiado todo indivíduo que tenha fundados temores de perseguição, são temores demonstrados e não subjetivamente colocados. Procurei reler a decisão do ministro da Justiça e encontrei algo que contradiz o princípio de temor de perseguição. É algo mais do que duvidoso¿, disse.

Ellen Gracie Também votou pela extradição de Battisti. Reforçou que é competência do STF decidir se o crime cometido é comum ou político: ¿O estatuto do estrangeiro esclarece que caberá exclusivamente ao Supremo a apreciação do caráter de extradição¿.

Contra a extradição

Eros Grau O ministro apenas declarou que votaria pelo arquivamento do processo de extradição, já que o réu havia recebido a condição de refugiado político. Na avaliação do ministro, não houve irregularidade na decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio a Battisti. Ele antecipou o voto e deixou o plenário antes do término do julgamento.

Cármen Lúcia A ministra acompanhou a divergência e disse que não cabe ao STF rever a legalidade da decisão do ministro da Justiça. ¿Revisar este ato não é de competência do STF¿, disse. Como a lei brasileira prevê que refugiados não sejam extraditados, ela votou pelo arquivamento. ¿Não vejo elemento que pudesse viciar o processo de concessão de refúgio¿, concluiu.

Joaquim Barbosa Disse que a concessão de refúgio é um ato político e, por isso, não cabe ao STF julgar se a decisão do Executivo está correta ou não. Acrescentou que o presidente da República não pode entregar um extraditando sem autorização do tribunal, mas lembrou que, após a autorização, o chefe do Executivo pode decidir pela não-extradição. ¿Concessão de refúgio é assunto político.¿ Também opinou pela libertação imediata de Battisti.

Marco Aurélio Mello Único a votar ontem, falou durante quase três horas para votar contra a entrega de Battisti. A decisão do Ministério da Justiça, sustentou, sequer poderia entrar em discussão. ¿Não cabe ao Supremo Tribunal Federal perquirir o acerto ou desacerto do ato do Executivo, que reconhece o refúgio. É um fato a ser constatado¿, disse. ¿A visão do ministro da Justiça mostrou-se, acima de tudo, realista e humanitária, atendendo a noções consagradas internacionalmente¿, completou.