Título: A esperança vem do solo
Autor: Pacheco, Silvia
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2009, Ciência, p. 27

Principal responsável pelas emissões brasileiras de carbono na atmosfera, a agropecuária pode ser uma aliada do país no combate ao aquecimento global. De acordo com a Embrapa, as adaptações dependem da especialização dos produtores

Os modelos atuais de agricultura e pecuária são considerados grandes vilões no contexto das mudanças climáticas globais, por contribuírem para o aumento de gases de efeito estufa na atmosfera. Por isso, o compromisso voluntário do governo brasileiro em reduzir essas emissões entre 36,1% e 38,9%, apresentado na 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), encerrada na última sexta-feira, depende principalmente da contribuição desses setores. A adoção em grande escala de novas práticas contribuirá para uma mudança de paradigma nos setores. ¿A agropecuária precisa trabalhar para aumentar o estoque de carbono orgânico no solo e, assim, manter a produção, sem a necessidade de desmatar novas áreas¿, afirma Gustavo Mozzer, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa/Cerrados). O sistema de direto com acúmulo de resíduos vegetais no solo e, consequentemente, com estoque de carbono e nitrogênio; o cultivo de espécies que fixam nitrogênio, a integração lavoura-pecuária, e os sistemas agrossilvispastoris são práticas que promovem a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, e deverão ser disseminadas nos próximos anos. Segundo Marco Aurélio Carolino de Sá, pesquisador em manejo e conservação do solo da Embrapa/Cerrados, o desafio para empreender essas práticas está na especialização técnica dos produtores. ¿Quem é agricultor não tem conhecimento de pecuária e vice-versa. É preciso capacitá-los em ambos setores¿, afirma. Conheça algumas dessas práticas, e veja quais as vantagens de cada uma delas na contribuição para a redução do efeito estufa.

Recuperação de pastagens degradadas e integração entre lavoura e pecuária

As pastagens degradadas se tornaram elemento-chave, pois podem ter influência de 76% na redução brasileira de gases de efeito estufa. A recuperação delas e a integração lavoura-pecuária (ILP) podem, juntas, responder por cerca de 12% do compromisso do governo em reduzir as emissões até 2020. ¿Como, atualmente, a abertura de novas áreas de pastagens é uma das causas do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, a recuperação das áreas de pecuária de baixa produtividade já usadas será fator fundamental para liberar áreas que acomodem a expansão de alimentos, fibras e biocombustíveis, sem a necessidade de novos desmatamentos¿, avalia Geraldo Bueno Martha Jr, pesquisador em sistemas de integração lavoura-pecuária da Embrapa/Cerrados. A integração lavoura-pecuária (ILP) pode ser definida como a diversificação, rotação, consorciação e/ou sucessão das atividades de agricultura e de pecuária dentro da propriedade rural de forma harmônica, constituindo um mesmo sistema. Essa técnica recupera as pastagens e as tornam mais produtivas, minimizando o uso de mais terra. ¿É o efeito poupa-terra. Com um hectare recuperado e trabalhado com a ILP, pode-se liberar até 8ha, que podem servir, por exemplo, para o reflorestamento¿, explica Martha Jr. Além de contribuir na redução do desmatamento, o crescimento de produtividade resulta em benefícios para o meio ambiente. ¿Um pasto produtivo pode ser tão eficiente na conservação do solo e da água quanto uma floresta¿, afirma Martha Jr. Segundo o pesquisador, a grande quantidade de raízes no solo contribui para o aumento da matéria orgânica, o que incrementa também a captura de carbono da atmosfera e melhora a eficiência de uso da água e de nutrientes no sistema. Plantio direto

No plantio convencional, o produtor revolve o solo na intenção de o preparar para plantar, quebrando a proteção física da matéria orgânica, que contém gás carbônico. Isso causa um aumento na decomposição dessa matéria e, consequentemente, provoca mais emissões. Já no plantio direto, o produtor não tem essa preparação, pois aproveita os restos vegetais de cultivos anteriores. Isso conserva a matéria orgânica e garante ao solo maior resistência, principalmente, à erosão. E se a matéria orgânica está preservada, a emissão de carbono diminui. ¿Sob o plantio direto, se tem em torno de 63t de carbono no solo, enquanto, no convencional, a medida chega a 50t¿, calcula Carolino. Além disso, a prática promove a redução do uso de máquinas agrícolas, o que contribui para minimizar ainda mais a emissão de CO2. De acordo com o pesquisador, no sistema convencional de plantio, o uso de maquinário é de oito horas e, no plantio direto, esse tempo cai para a metade. ¿No convencional, as máquinas aram o solo, gradeiam, nivelam e semeiam, equanto, no direto, elas apenas semeiam.¿ Essa prática já está bastante consolidada no Brasil, abrangendo 70% da área de agricultura do país. Fixação biológica de nitrogênio

Um dos nutrientes necessários para o desenvolvimento da planta é o nitrogênio. No entanto, o uso de fertilizantes que contêm esse elemento promove emissões de gases de efeito estufa. Como esses adubos são produzidos à base de petróleo, a atmosfera recebe grande quantidade de gás carobônico. Além disso, grande parte do produto aplicado se perde, e pode acabar na atmosfera como óxido nitroso, outro gás que provoca o aquecimento do planeta. Uma das saídas seria a redução no uso do adubo nitrogenado. Isso pode ser feito com a fixação biológica de nitrogênio, processo no qual micro-organismos que se associam a plantas sequestram o elemento e o converte em compostos nitrogenados (como amônio ou nitrato), usados em diversos processos químico-biológicos do solo, especialmente importantes para a nutrição de plantas. A técnica já é usada na cultura de soja e proporciona ao Brasil uma economia de R$ 8,5 bilhões por ano, que seriam gastos com adubo nitrogenado. As pesquisas, agora, buscam fazer o mesmo com as culturas de feijão, milho e cana-de-açúcar.

Adubo verde

Essa prática é utilizada pelos agricultores há mais de mil anos, em distintas regiões do mundo. Ela melhora as propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos, e promove ainda a reciclagem de nutrientes de camadas profundas do solo para a superfície. A técnica é baseada no cultivo de espécies vegetais para servirem de adubo. ¿Isso é feito principalmente em leguminosas com grande potencial de massa vegetal, que têm capacidade de sequestrar o carbono e transferir nitrogênio da atmosfera para o solo¿, explica a pesquisadora Arminda Moreira de Carvalho. A adição de carbono ao solo é realizada por meio da fotossíntese e a atividade de micro-organismos.

Artigo O estilo de crescimento da agricultura brasileira

Geraldo Martha Jr.

Nas últimas décadas, o Brasil se tornou uma superpotência agrícola. Essa conquista, que centrou fortemente em ganhos continuados e crescentes de produtividade, trouxe uma série de benefícios socioeconômicos e ambientais para a sociedade brasileira. Estimativas da Embrapa, com base no IBGE, indicaram que o ¿efeito poupa-terra¿ desses ganhos em produtividade pouparam cerca de 250 milhões de hectares do cultivo!

Assim, embora em alguns casos sejam observadas práticas inadequadas de produção agropecuária, nocivas ao ambiente, deve-se observar que o Brasil é hoje uma potência agrícola que vem sustentando sua agricultura com um grau moderado a baixo de antropização de seus Biomas. Tal constatação foi ratificada pelo Projeto Probio (2007), do Ministério do Meio Ambiente. De acordo com esse estudo, em 2002, a proporção dos Biomas Amazônia e Cerrado com atividades humanas era de 9,50% e 38,98%, respectivamente; ou seja, na virada do milênio, cerca de 90% da Amazônia e 60% do Cerrado ainda estavam preservados.

Pelo aspecto socioeconômico, o progresso tecnológico da agropecuária brasileira, ao reduzir os preços dos alimentos ao consumidor, trouxe um ganho enorme para a sociedade. Com base no Dieese calcula-se que, em junho de 2009, o valor da cesta básica na cidade de São Paulo, em termos reais, equivalia a 49,45% do valor correspondente àquele registrado em janeiro de 1975 ¿ em outras palavras, o custo da alimentação ao consumidor caiu pela metade no período, refletindo largamente a expansão da produção agrícola no país. Além disso, o aumento de uma oferta de alimentos, com preços mais baixos e competitivos, possibilitou: 1) aumento do poder de compra do mais pobre, gerando um efeito de renda que permitiu que parte dos recursos anteriormente gastos com alimentação fosse direcionado para dinamizar outros setores da economia; 2) redução no risco de variabilidade no abastecimento e melhoria na qualidade dos produtos; 3) redução de pressões inflacionárias, contribuindo para uma maior estabilidade macroeconômica; e 4) excedentes para exportação, contribuindo positivamente (e decisivamente) com a balança de pagamentos brasileira e com a segurança alimentar em outros países. Vale lembrar que nesse processo houve uma expressiva transferência de renda do produtor rural para a sociedade brasileira.

Por fim, em que pesem questões que precisam ser resolvidas nas diferentes cadeias agroindustriais, com o intuito de garantir a sustentabilidade plena do negócio agrícola, é importante entender que, no balanço, temos muitos motivos para ter orgulho do agronegócio brasileiro.

Geraldo Martha Jr. é pesquisador da Embrapa/Cerrados