Título: Prevenir ou remediar?
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 05/01/2010, Brasil, p. 6

Números dos programas nacionais mostram que o país gasta 10 vezes mais com reconstrução após desastres do que com preparação para evitar que eles aconteçam. Especialistas lamentam ainda falta de programas habitacionais

Temporal deixa carros submersos na Rua Barão de Campinas, no Centro de São Paulo: país se especializou em medidas emergenciais para minimizar danos de tragédias, mas não para saná-las

Enquanto o governo federal estuda a melhor forma de liberar recursos para estados atingidos por temporais, enchentes e deslizamentos de terra, os dois programas nacionais referentes ao tema exibem execuções orçamentárias lentas e, ao mesmo tempo, reveladoras. Um deles, denominado Resposta aos Desastres e Reconstrução, pagou R$ 1,3 bilhão (72%) da dotação autorizada no ano passado, de R$ 1,9 bilhão. O outro, intitulado Prevenção e Preparação para Desastres, só executou R$ 138 milhões, que corresponde a 21% do valor total da rubrica, R$ 646 milhões. ¿Mostra bem um velho hábito da nossa gestão pública, que prefere remediar a prevenir¿, resume Evilásio Salvador, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em política social. Os dados, levantados pela organização não governamental Contas Abertas a pedido do Correio, já contabilizam os restos a pagar (dívidas de anos anteriores quitadas neste exercício).

Das seis ações que compreendem o programa Resposta aos Desastres e Reconstrução, a que teve melhor execução é denominada Restabelecimento da Normalidade no Cenário de Desastres. Ou seja, são as medidas emergenciais tomadas para minimizar o caos depois de uma tragédia, mas não para saná-lo. De outro lado, na rubrica Prevenção e Preparação para Desastres, uma das ações mais importantes, chamada Apoio a Obras Preventivas de Desastres, teve 15% de execução ¿ foram gastos R$ 99 milhões do total de R$ 632 milhões autorizados. Na avaliação do economista Gil Castello Branco, consultor do Contas Abertas e especialista em orçamento público, tais números historicamente têm sido assim. ¿A lógica acaba sendo a de liberar verbas apenas quando o acidente ocorreu e as vidas já foram perdidas. Todo mundo sabe que nesta época do ano temos chuvas, deslizamentos, as enchentes. Em outro período, temos as secas. Mas não se gasta em prevenção¿, lamenta Gil.

O professor Evilásio Salvador explica que recursos como esses, para prevenir desastres naturais, entram nos chamados gastos discricionários, ou não obrigatórios. ¿Portanto, depende da boa vontade do governante de gastar. São discricionários pagamentos de pessoal, dos benefícios da seguridade social, educação e amortização da dívida. O recorde em superavit alcançado no ano passado mostra bem a opção do governo. Faz 10 anos que essa é a política: economiza-se onde pode para fazer superavit¿, critica Salvador. O especialista chama atenção também para a falta de um plano habitacional sério, que retire famílias de locais de risco para realocá-las em condições seguras. ¿É um erro permitir a construção dessas vilas, cidades. E aqui no DF, com a expansão de condomínios irregulares, viveremos o mesmo em breve¿, alerta.

Ao denominar como ¿ilusórios¿ os créditos liberados por meio de medidas provisórias sempre que ocorre um desastre natural, Gil Castelo Branco explica que o repasse não é imediato. ¿Aposto que em mais um ou dois dias o governo federal vai anunciar algum dinheiro para Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O que as pessoas não sabem é que esse recurso depende de projetos serem apresentados, de convênios serem firmados, de verificação mesmo dos locais para definição das providências. Não seria melhor prevenir?¿, questiona o economista.

O número R$ 1,3 bilhão Foram pagos no programa batizado de Resposta aos Desastres e Reconstrução, o equivalente a 72% da dotação autorizada no ano passado

Colaborou Daniela Lima

Turistas fogem e Angra tem prejuízo

Amanda Almeida Pedro Rocha Franco

Passados quatro dias da tragédia que matou mais de 50 pessoas e sob o risco de mais tempestade num solo já encharcado pela chuva do réveillon, Angra dos Reis (RJ) vê também ameaçada uma economia anual de R$ 150 milhões. Responsável por 30% dos recursos da prefeitura, o turismo no litoral sul fluminense sofreu queda no faturamento na principal temporada: o verão. A incerteza sobre as condições das praias e o medo de novos deslizamentos fizeram 40% dos visitantes cancelarem as reservas marcadas para a primeira quinzena de janeiro, segundo balanço da Fundação Municipal de Turismo de Angra dos Reis (TurisAngra) ¿ a ocupação da rede hoteleira já era ruim, comparada ao índice registrado nas férias anteriores.

Conhecer Ilha Grande é desejo antigo do estudante de engenharia civil Walter de Morais, de 22 anos, que estaria entre as primeiras realizações de 2010. Mas Walter preferiu continuar sonhando com o destino paradisíaco e adiar a viagem programada para esta segunda-feira. ¿Sempre via fotos das ilhas de Angra dos Reis e ficava fascinado com as paisagens. Queria conhecer há dois anos. Eu e um amigo programamos sair de Belo Horizonte hoje (ontem), mas mudamos de ideia depois do soterramento.¿

Segundo Walter, sua opção à Ilha Grande deve ser Cabo Frio, também no litoral fluminense. ¿Demos uma olhada nas empresas de ônibus no fim do ano e concluímos que seria possível comprar a passagem na última hora. Já o hotel, escolheríamos na própria ilha. Ficamos tranquilos porque, pelo que conversamos, sobre os hotéis, as reservas estavam fracas por causa das chuvas¿, conta.

Na contramão dos desistentes, a advogada Marcella Cardoso de Oliveira Bitar, de 26, está ligada na internet e na imprensa para checar as informações sobre o deslizamento e confirmar sua viagem para a Vila do Abraão, em Ilha Grande. Em novembro, ela, o namorado e um casal de amigos fizeram pré-reserva numa pousada e, apesar dos alertas da mãe, não vê motivos para cancelar a viagem. Amanhã, eles seguem de carro para a ilha. ¿Dar as costas para a ilha agora só vai piorar a situação¿, explica. O local em que ficará hospedada está distante cerca de 10 quilômetros da Enseada do Bananal, onde ocorreu o desastre que atingiu parte da Pousada Sankay e sete casas. ¿Minha mãe disse que estou louca e desafiando o tempo, mas meu pai deu força e disse que estão generalizando, como se a ilha fosse somente uma praia. Na internet, a previsão é que o tempo vai estar bom e haverá pouca chuva¿, diz.

Corpos já somam 58

O resgate dos corpos dos últimos três desaparecidos oficialmente do desastre de Ilha Grande (RJ) deve se encerrar nos próximos dias, mas a reconstrução da cidade deve perdurar por muitos meses. A estimativa da Prefeitura de Angra dos Reis é que sejam necessários recursos superiores a R$ 250 milhões apenas para a limpeza dos locais atingidos pela avalanche de terra na virada do ano. Durante o quarto dia de buscas as equipes encontraram mais quatro corpos, totalizando 58 vítimas encontradas entre os escombros.

Por causa do risco de novos deslizamentos, a Prefeitura de Angra dos Reis deve interditar 600 casas na cidade, sendo a maior parte no Morro da Carioca, onde foram encontrados 21 corpos e outros 29 na Enseada do Bananal, onde está localizada a Pousada Sankay. Equipes de geólogos fazem análise do solo nas proximidades de onde ocorreram quedas. No caso de risco de novos desastres, os moradores são retirados e aqueles que insistem e permanecer em casa são obrigados a assinar termo de responsabilidade.

O prefeito de Angra dos Reis, Tuca Jordão (PSDB-RJ), publicou decreto proibindo novas construções em 16 morros na região do Centro. Lá, devem ser demolidas 100 casas. Uma estrutura semelhante a um muro de contenção deve ser construída para diminuir o impacto de possíveis deslizamentos de terra sobre as casas.