Título: Mercado volta a ter dia nervoso
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2008, Finanças, p. C1

Depois da euforia de sexta-feira, os mercados mundiais voltaram a ter um dia de nervosismo ontem, marcado por fortes quedas nas bolsas dos Estados Unidos e Europa e na bolsa de valores de São Paulo, que recuou 2,86%. Temerosos com os rumos e a eficácia do pacote de ajuda do governo americano, os investidores venderam ações e tentaram se desfazer do dólar, que caiu em relação às principais moedas mundiais.

Os preços do petróleo dispararam, registrando a maior alta diária da história. Só ontem, o barril subiu US$ 16. Por aqui, o dólar recuou 2% e encerrou o dia em R$ 1,79. Nos Estados Unidos, o Dow Jones, principal indicador da Bolsa de Valores de Nova York, teve queda de 3,27%. Na Europa, a Bolsa de Paris cedeu 2,34%.

No Brasil, especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que o sistema financeiro e o mercado de capitais locais têm sistemas de regulação e fiscalização que mitigam os riscos de ocorrerem problemas como os que estão causando a crise no sistema financeiro americano. Eles explicam que, aqui, os bancos de investimento são fiscalizados e regulados. Além disso, o volume de crédito ainda não é tão alto como em outros países, destacadamente o imobiliário e conseqüentemente, as operações derivadas desses créditos ainda não são também volumosas. Adicionalmente, os ativos estruturados com estes créditos, como Certificados de Recebíveis Imobiliários e Fundos de Direito Creditório (FIDC), geralmente passam pelo crivo do regulador.

"Nosso modelo de regulação é muito bom, com o Banco Central atuando na parte de fiscalização prudencial e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisando as operações e observando o lado do investidor também", diz o advogado do escritório Motta Fernandes, Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM. Ele lembra que as regras foram feitas de modo que os instrumentos sejam transparentes e que se evite disfarçar dívidas em balanços.

Para o ex-diretor do Banco Central e atual diretor-executivo do banco BBM, Beny Parnes, o Brasil tem um sistema financeiro bastante regulado. "Isso não significa que mercados muito regulados tenham menos risco, mas aqui, o modelo de regulação e fiscalização é bastante eficiente e menos fragmentado do que nos EUA."

Parnes avalia ainda que por conta do histórico de instabilidade macroeconômica e dos juros reais ainda altos, criou-se no sistema brasileiro uma cultura de encurtamento de prazos e de fazer grandes alavancagens. Isso também acaba gerando um risco menor de ocorrência dos problemas atuais dos EUA. O ex-BC destaca ainda que os bancos de investimento não são privilegiados com diferenciações. São regulados e passam por fiscalização prudencial do BC.

O diretor da CVM Marcos Barbosa Pinto explica que que os títulos brasileiros que seriam mais parecidos com os que causaram os problemas nos EUA, como os CRI, FIDC e Cédulas de Crédito Bancário (CCB) são considerados aqui valores mobiliários e estão sujeitos à regulamentação e fiscalização. Além disso, são registrados e negociados na Cetip, e assim ficam visíveis para os reguladores. Nos FIDCs locais criou-se também um modelo de cotas sêniores e cotas subordinadas, que funcionam como uma colchão de garantias.

O diretor da CVM ressalta que, no início desse ano, já atenta ao que estava ocorrendo no mercado externo, a autarquia firmou posição muito clara sobre os CCBs, definindo que estes são considerados valores mobiliários. "Além disso, no Brasil, produtos como os CRIs, os FIDCs e os CCBs só estão acessíveis aos investidores qualificados e não ao varejo", afirma Pinto.

Além disso, apesar de esses ativos terem crescido nos últimos cinco anos, o volume não é ainda tão expressivo. O patrimônio líquido dos FIDCs, segundo a CVM, está hoje em R$ 28,6 bilhões do modelo padronizado e outros R$ 12,9 bilhões dos FIDCs não-padronizados. A indústria de fundos comuns, por exemplo, já é de mais de R$ 1 trilhão. Já o estoque de CRIs, segundo a Cetip, é de R$ 6 bilhões e o de CCBs está em 18,7 bilhões. (Com agências)