Título: Punição abala receita da Brasil Ecodiesel
Autor: Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2008, Agronegócios, p. B11

A Brasil Ecodiesel, maior produtora nacional de biodiesel, tem cinco unidades espalhadas pelo país. Na inauguração de quatro das cinco plantas, o convidado mais ilustre era o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, grande entusiasta do programa de biodiesel, combustível sempre tido por ele como ferramenta da inclusão da agricultura familiar à indústria de biocombustíveis. Passadas cinco inaugurações, quatro visitas presidenciais, cinco anos desde sua criação e 22 meses desde sua oferta pública inicial de ações, a companhia vai encerrar o ano praticamente sem direito de gerar receita no mercado interno.

Na segunda-feira, o Diário Oficial da União informou o cancelamento dos contratos de venda de biodiesel pela Brasil Ecodiesel arrematados nos dois leilões mais recentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizados em agosto. Dos 70 milhões de litros que caberiam à empresa, 63,6 milhões não poderão ser vendidos devido ao cancelamento. De acordo com o preço oferecido pela empresa em diferentes lotes, que ficou entre R$ 2,612 e R$ 2,616 por litro, isso significa uma receita de R$ 166,28 milhões que deixará de ser gerada.

O montante é mais que o triplo do faturamento do segundo trimestre deste ano, quando a empresa teve receita bruta de R$ 53,3 milhões. É também mais de 140% superior à receita bruta do último trimestre de 2007, que foi de R$ 68,5 milhões - os volumes comprometidos pelo cancelamento seriam para entrega no último trimestre deste ano. Nem toda a receita dos últimos três meses do ano foi comprometida, já que foi mantido o direito de venda de 6,4 milhões de litros, o que corresponderá a uma receita de R$ 16,4 milhões.

O cancelamento foi feito por falta de entrega de biodiesel ao longo do terceiro trimestre, segundo o superintendente de abastecimento da ANP, Edson Silva. Quando deixa de entregar ao menos 50% do combustível arrematado nos leilões por quatro semanas consecutivas, a empresa pode ter o contrato de fornecimento cancelado pela Petrobras, a compradora única desse setor no mercado interno. Passadas essas quatro semanas, a fornecedora tem ainda um mês para apresentar suas justificativas.

Esse rito não foi seguido pela Brasil Ecodiesel no terceiro trimestre, diz o superintendente - no período, as unidades de Iraquara (BA), Itaqui (MA) e Rosário do Sul (RS) deixaram de entregar entre 82% e 95% do combustível que deveriam, segundo a ANP. A receita ficará comprometida porque, no mercado interno, as vendas só podem ser feitas por meio dos leilões realizados pela agência.

Uma das punições previstas é a perda do direito de participação no leilão subseqüente - que foi, nesse caso, a rodada de agosto, já homologada pela ANP. "Como a empresa deixou de atender uma exigência, nós interpretamos que ela não podia participar da última rodada. Como o resultado do leilão já havia sido confirmado, essa homologação foi cancelada", afirma Silva.

A ANP deve divulgar nos próximos dias o edital de um leilão extra, que servirá para substituir os 63,6 milhões de litros que seriam originalmente entregues pela Brasil Ecodiesel. O leilão deverá ser feito para a compra de 64,8 milhões de litros - a fabricante Renobrás, que tem unidade em Dom Aquino (MT), recebeu punição idêntica à da Brasil Ecodiesel e também teve o contrato cancelado, segundo o superintendente. Seu volume, de 1,2 milhão de litros, contudo, era bem menor.

A Brasil Ecodiesel enfrenta problemas desde sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), realizada em novembro de 2006. A empresa esperava levantar até R$ 694 milhões com a operação, mas obteve R$ 378 milhões, ou 54% do valor almejado. Seu projeto de ter boa parte da produção à base de matérias-primas como mamona e pinhão-manso não deu o resultado esperado porque a cadeia de produção dessas culturas ainda é pouco estruturada no Brasil.

Assim, partiu-se para a soja, que abastece cerca de 90% da indústria brasileira de biodiesel. O preço da oleaginosa disparou e, com ele, subiram também os custos da companhia, que tem registrado prejuízos crescentes nos últimos trimestres. As incertezas são refletidas pelo desempenho de suas ações na Bovespa. Ontem, seus papéis ON caíram 0,57%, para R$ 1,74, mas o declínio acumulado apenas em setembro é de 32,30%. Desde o IPO, a baixa é de 85,80% - no mesmo período, o Ibovespa acumula alta de 19,30%.

Em agosto, a companhia informou a renegociação de débitos que somam R$ 205,868 milhões, com prazo de 48 meses para liquidação e 12 meses de carência. Procurada, a empresa preferiu não conceder entrevista. Na segunda-feira, informou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ter sido surpreendida pelo cancelamento dos contratos para entrega de biodiesel no último trimestre e que "está estudando todas as medidas cabíveis".

"É provável que a empresa mantenha o produto estocado para participar do próximo leilão, mas seu resultado vai ser muito ruim porque ela não vai poder gerar caixa. É provável que ela precise de mais empréstimos", diz Peter Ping Ho, analista da Planner Corretora. "Mas a situação se complica porque a Brasil Ecodiesel precisa do dinheiro tanto para compra de matéria-prima quanto para manter sua estrutura. As operações podem ser comprometidas no médio ou mesmo no curto prazo".