Título: Impacto da crise externa deve ser brando
Autor: Lamucci, Sergio; Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2008, Brasil, p. A3

A crise internacional deverá ter impacto brando sobre a atividade econômica no fim do ano. Essa é a percepção dominante hoje do varejo e da indústria, diante do ritmo de encomendas registrado até o fim de setembro e do comportamento do consumidor - que segue comprando bastante, num cenário de crédito ainda farto e mercado de trabalho pujante, embora a inflação diminua parte da renda disponível. Há quem não tenha feito nenhuma mudança nas projeções para o Natal, enquanto os mais cautelosos reduziram um pouco as projeções que vigoravam antes da piora no cenário externo. Pedro Motta / Valor Ricardo Nunes, da Rede Eletro: meta de vendas para o Natal foi mantida

A Lojas Cem é uma das redes varejistas que preferiram adotar uma atitude mais prudente em relação ao desempenho do fim de 2008. "No começo do ano, nós esperávamos um aumento de 15% nas vendas de Natal. Agora, a expectativa foi reduzida para um crescimento de 10%", diz o supervisor-geral da Lojas Cem, Valdemir Colleone. Ele acredita que, num momento de incerteza como o atual, o consumidor tende a ficar um pouco mais retraído, ainda que não haja motivos importantes para isso, já que a economia brasileira continua bastante dinâmica.

Com expectativa de vendas um pouco menores, Colleone diz que vai reduzir um pouco as encomendas para o fim do ano. De janeiro a agosto, a Lojas Cem registrou crescimento de 12%. Um trunfo da rede para manter um bom ritmo para os negócios é que as condições de financiamento não mudaram - como opera apenas com recursos próprios, a recente piora na oferta de crédito não afetou a empresa, afirma ele.

Já a Fnac e a Ricardo Eletro, varejista de eletroeletrônicos de Minas Gerais, mantiveram as projeções para o Natal. Ricardo Nunes, presidente da Ricardo Eletro, acredita que as incertezas criadas pela crise podem, num primeiro momento, favorecer as vendas de eletroeletrônicos. As facilidades para contratação de crédito com prazos longos levaram o consumidor a alterar seu padrão de compra, preferindo adquirir bens duráveis de maior valor, como automóveis, diz ele. "Entre janeiro e abril, as vendas por loja cresceram em ritmo bem mais modesto, em torno de 3% por loja, devido a essa transferência de consumo. Com o crédito mais racionado, o consumidor está voltando a comprar eletroeletrônicos." Em agosto, as vendas subiram 15% em relação a igual mês de 2007, e a meta para setembro está sendo cumprida, informa Nunes.

O diretor comercial da Fnac Brasil, Benjamin Dubost, segue otimista. Ele continua com a projeção de uma alta de 25% do faturamento no fim do ano - o mesmo nível registrado de janeiro a agosto. Segundo Dubost, as encomendas aumentam nessa mesma magnitude.

"O Brasil tem um mercado enorme e ainda há uma grande demanda reprimida", afirma ele, que pretende continuar a atrair o consumidor com descontos, condições facilitadas de financiamento - que seguem as mesmas - e grande variedade de produtos.

O presidente do Ponto Frio, Manoel Amorim, mantém o que ele define como "otimismo cauteloso" de curto e médio prazo e já realizou algumas mudanças nas vendas para garantir que não tenha aumento no nível de inadimplência. ""Nos últimos quatro ou cinco meses já começamos a limitar as vendas a prazo sem juros e com cartão de crédito para manter o balanço da empresa sólido e agora vamos ser ainda mais cautelosos." Ele afirmou ainda que as indústrias realizaram reajustes "modestos" nos preços e há expectativa de que uma alta contínua do câmbio obrigue o varejo a reajustar preços na área de eletroeletrônicos. Amorim garante, no entanto, que mantém os planos de compras de produtos e as metas de vendas para o fim do ano. A projeção é mantida em sigilo em função de a empresa ter capital negociado em bolsa.

Na Bahia, a varejista Le Biscuit aposta no fim do ano - Dia das Crianças e Natal - para atingir a meta de crescimento. Até agosto, as vendas da rede, que oferece um mix de produtos como brinquedos, utensílios para casa e itens de papelaria, foram 22% maiores do que janeiro a agosto de 2007. A projeção é crescer 30%. O ritmo menos intenso não é fruto da crise e sim do aumento da inflação doméstica. "Como a renda no Nordeste já é menor, qualquer alta de preços corrói ainda mais o rendimento disponível para o consumo", diz o gerente financeiro, Ângelo Guerra. Além disso, a inflação foi mais intensa nos alimentos, que têm mais peso na cesta de consumo nordestina.

A Le Biscuit tenta compensar os reajustes de preços com o aumento do mix de importados. De olho no aquecimento do último trimestre, a empresa já encomendou os produtos que importa e escapou da recente desvalorização do real. Há outro aumento, porém, que começa a preocupar a varejista. "Percebemos que o custo do dinheiro começou a subir. Como boa parte dos empréstimos que fazemos é lastreada nos CDBs dos bancos e eles subiram, os financiamentos tendem a ficar mais caros."

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, acha que a crise deve ter um impacto moderado sobre o comportamento da indústria e do varejo em relação ao fim do ano. Para ele, o varejo pode adiar e reduzir um pouco as compras. O efeito pode ser mais forte se o noticiário continuar negativo por muito tempo, mas o quadro internacional tem um impacto limitado sobre as decisões do consumidor, avalia Montero. "Para o brasileiro, a alta do arroz e feijão pesa muito mais do que a quebra do Lehman Brothers ou o resgate da AIG." Ele observa, porém, que a crise pode contribuir um pouco mais para a desaceleração da atividade. Segundo Montero, o ciclo de alta de juros e a inflação mais elevada já levam a uma perda de fôlego da economia, que será mais forte no fim do ano.

A economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, acredita que a crise externa pode acentuar um pouco mais a desaceleração da economia, que ela considera já estar em curso. "Isso tende a ocorrer principalmente pelo efeito sobre o crédito." Thaís diz que o crédito já mostra um ritmo mais fraco - em 2007, as novas concessões para a pessoa física aumentaram 9,1%, já descontada a inflação, ao passo que, nos 12 meses até agosto, a alta foi de 4,5%.

Nas lojas MM Mercadomóveis, de Ponta Grossa, região central do Paraná, o segundo semestre está com resultado menor que o esperado, mas o superintendente da empresa, Marcio Pauliki, afirma que o motivo não é a crise e sim a campanha política e o clima. "Choveu bastante em agosto", diz "A crise das bolsas não afeta nossos clientes e, quando sobe o juro, aumentamos o prazo de pagamento." Pauliki conta que agosto e setembro "empataram" com iguais meses de 2007 - frustrando uma expectativa de alta de 5%. Para o quarto trimestre, o crescimento de 20% foi revisto para 10%.

O uso de capital de giro próprio no financiamento das operações comerciais faz a Comprafacil.Com, braço de varejo por internet do grupo Hermes, passar ao largo da redução da liquidez gerada pela crise, segundo Gustavo Bach, diretor de marketing do grupo. Ele diz que até agora a turbulência não afetou o site, tanto que a empresa manteve a projeção de aumentar este ano o faturamento em 100%, passando de R$ 280 milhões para R$ 560 milhões. Segundo Bach, a Comprafacil.Com vem mantendo a política de crédito inalterada, com vendas em até dez vezes sem juros.

A Ferreira Costa, rede de lojas de material para construção, que atua em Pernambuco e Bahia, não vê alterações significativas em suas vendas por causa do câmbio. "Com a inflação, passamos a importar mais produtos. Agora, mesmo com o real um pouco mais fraco, ainda compensa trazer de outros países", diz Guilherme Ferreira Costa, sócio da empresa. Ele espera que a rede venda 15% mais ante 2007 nos próximos três meses, seguindo o crescimento observado ao longo do ano. (Colaboraram Chico Santos, Marli Lima, Danilo Jorge e Carolina Mandl)