Título: Sangria incontida
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 21/02/2010, Economia, p. 13

Rombo na previdência do funcionalismo avança. Deficit no pagamento dos benefícios passa de R$ 38 bi em 2009 para R$ 43 bi este ano

O governo Luiz Inácio Lula da Silva chegará ao fim sem conseguir estancar a sangria na previdência do funcionalismo. Dados oficiais revelam que o desequilíbrio do sistema não só persistiu como se acentuou nos últimos anos. A conta para pagar aposentados e pensionistas dos Três Poderes, incluindo os militares, simplesmente não fecha. Em 2009, a União amargou deficit recorde de R$ 38,1 bilhões, rombo que saltará neste ano para R$ 43,4 bilhões.

Entre os Poderes houve ganhos significativos nas aposentadorias e pensões, mas os contracheques de inativos do Judiciário, do Legislativo e do Executivo revelam fossos semelhantes àqueles observados nos salários de quem está trabalhando. Esse fenômeno atingiu seu auge em 2008. Informações compiladas pelos ministérios da Previdência e do Planejamento ¿ com base em tabelas do Tesouro ¿ indicam que no topo da lista estão os ex-servidores do Ministério Público da União (MPU), órgão mais enxuto conforme a classificação geral de gastos elaborada pelo governo. A despesa média do MPU com os cerca de 1,4 mil aposentados é de R$ 18.384 e com os 622 pensionistas, de R$ 13.255. (Veja quatro na página 14)

No ranking das despesas médias mais elevadas da República, o Banco Central (BC) também se destaca. Logo atrás aparecem os beneficiários da Justiça e do Legislativo. Os servidores do Executivo federal que já penduraram os crachás estão em maior número na burocracia, mas possuem as menores remunerações médias.

Reflexo do aumento na concessão de aposentadorias e pensões integrais, a partir de 2001 é possível verificar saltos anuais bilionários na rubrica de despesas com inativos e pensionistas do setor público. Em 2003, por exemplo, o montante destinado foi de R$ 36,5 bilhões. Em 2009, o gasto explodiu, saltando para R$ 67 bilhões.

Disparidade entre público e privado

INSS atende 27 milhões de pessoas, enquanto previdência do funcionalismo cobre 985 mil servidores

Luciano Pires

Os gastos do setor público contrastam com os do setor privado. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelos brasileiros que não tiveram o governo como patrão, também fechou no vermelho no ano passado: as despesas superaram as receitas em R$ 42,8 bilhões. O número de atendidos, no entanto, é quase 30 vezes superior ao verificado na previdência pública. Enquanto no INSS há 27 milhões de beneficiários, o universo de aposentados e pensionistas da máquina federal chega a 985.647.

As disparidades não se limitam apenas ao tamanho dos dois sistemas. Os proventos pagos aos servidores inativos são bem superiores aos da iniciativa privada. No INSS, o benefício médio em 2009 alcançou R$ 726,31 ¿ 18,7 milhões de pessoas sacaram até um salário mínimo por mês. No conjunto dos civis dos Três Poderes, cada aposentado recebe, em média, R$ 5.583,12 e o pensionista, R$ 4.405,79. Já os militares aposentados ganham, em média, R$ 6.522,35 e os pensionistas, R$ 3.632,11.

O ritmo de crescimento do deficit do INSS está ligado a fatores macroeconômicos que vão desde a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), passando pelo aumento da expectativa de vida da população(1), até a capacidade do país de ampliar a formalização do mercado de trabalho. Para este ano, a previsão é que o sistema responsável pelo pagamento de aposentadorias e pensões do setor privado amargue um resultado negativo de R$ 52,3 bilhões (na previdência pública o deficit é de R$ 43,4 bilhões). Em 2044, de acordo com exercícios do Ministério da Previdência, o rombo do regime geral baterá em R$ 681 bilhões.

No caso da previdência do funcionalismo, especialistas de mercado e técnicos do governo divergem sobre quando as despesas farão frente às receitas. Economistas do setor financeiro advertem que o equilíbrio nunca será alcançado, até porque as pressões salariais por parte das categorias sempre terão impactos desfavoráveis no resultado final das contas públicas. Os ministérios da área econômica, porém, acreditam que em duas ou três décadas ¿ desde que complementada a reforma previdenciária de 2003 (leia reportagem abaixo) ¿ o sistema terá fôlego para continuar de pé. (LP)

1 - Vida longa Entre 1998 e 2008, a expectativa de vida do brasileiro passou de 69 anos para 72 anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), homens e mulheres passaram a viver mais. As previsões indicam que, mantida a trajetória atual, em 2040 o Brasil alcançará o patamar dos 80 anos. Antes disso, porém, em 2030, a presença de idosos na população como um todo será quase idêntica à dos jovens.

Reajustes ampliaram custos Wilson Dias/ABr - 25/11/09

A reforma está dando resultados. A idade média das aposentadorias subiu em quatro anos de 2003 para cá. Os servidores passaram de 57 anos para 61 anos, e as servidoras, de 53 anos para 57 anos¿ Helmut Schwarzer, secretário de Políticas de Previdência Social

A evolução das despesas com inativos na máquina pública se deve menos pelo crescimento na quantidade de aposentados e pensionistas, e mais pelos sucessivos pacotes de reajustes que contemplaram quase todo o funcionalismo na década passada. Desde 2005, o governo aprofundou políticas que resultaram em melhorias substanciais das remunerações dos funcionários dos Três Poderes, além dos militares. Isso teve um custo para o sistema previdenciário. No governo Lula, setores da burocracia chegaram a dobrar seus rendimentos.

As reestruturações influenciam os pagamentos recebidos por quem não está mais na ativa. Parte desse efeito colateral é fruto da falta de regras que, ainda que previstas na lei que reformou a previdência dos servidores, não foram regulamentadas (leia ao lado). Helmut Schwarzer, secretário de Políticas de Previdência Social, adverte que, apesar disso, a reforma tem méritos. ¿A reforma está dando resultados. A idade média das aposentadorias subiu em quatro anos de 2003 para cá. Os servidores passaram de 57 anos para 61 anos, e as servidoras, de 53 anos para 57 anos¿, explica.

Os esforços do governo em retardar saídas de funcionários repercutem nas estatísticas. Só no Poder Executivo, 54 mil pessoas têm direito ao abono permanência, que é uma espécie de recompensa para aqueles que, mesmo tendo preenchido os requisitos para se aposentarem, permanecem trabalhando. Outras medidas funcionam como obstáculos e evitam que, de uma hora para outra, servidores peçam aposentadorias.

Ações de longo prazo recebem atenção por parte do Palácio do Planalto e dos parlamentares da base de apoio ao governo no Congresso. A principal é a que impõe limites à expansão da folha de salários do funcionalismo. O projeto que está em discussão na Câmara define que as despesas não podem ultrapassar os 2,5% em relação ao gasto do ano anterior, descontada a inflação. (LP)

Leia mais sobre Previdência Social no país

Memória Mudanças parciais

Sob protestos do funcionalismo e críticas pesadas de setores do PT, o governo aprovou em 2003 a Emenda Constitucional 41, alteração legal no sistema de previdência do setor público considerada mais agressiva do que a patrocinada em 1998 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Na época, o governo calculou que em 20 anos, com todas as medidas previstas implantadas, seria possível economizar R$ 41 bilhões.

A falta de regulamentação de pontos fundamentais, como a previdência complementar do servidor e a lei que trata da administração do regime próprio do governo federal, reduziu drasticamente o alcance das alterações planejadas pela União.

Nos estados e em muitos municípios o sistema funciona. Em nível federal isso não ocorreu por causa da forte resistência dos servidores e de alas conservadoras dos partidos que apoiam o governo.

Especialistas que acompanham a previdência do setor público no Brasil dizem que os sucessivos deficits têm como origem imposições legais previstas na Constituição que acabaram por minar o sistema.

O fato de servidores celetistas terem sido transformados em estatutários sem, com isso, terem contribuído sobre a totalidade de sua renda desencadeou todo o sistema. Corrigir isso levará algumas décadas. Tempo que o governo pretendia abreviar com a reforma de 2003, mas que acabou fracassando por absoluta falta de apoio político. (LP)