Título: Brasil carece de instrumentos anticrise
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2008, Finanças, p. C12

A recente edição de uma medida provisória estendendo o alcance do redesconto expôs uma fragilidade discutida há alguns anos dentro da diretoria colegiada do Banco Central: a falta de instrumentos para lidar com crises bancárias sistêmicas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor desde 2000, extinguiu o Proer, o programa de resgate criado para combater a crise bancária do Plano Real. Desde então, legalmente, restou apenas a alternativa de liquidar bancos que apresentam problemas de solvência, mesmo nos casos que tenham tamanho ou importância suficientes para criar uma crise de confiança no sistema.

Nos últimos anos, os técnicos da diretoria de política econômica do Banco Central elaboraram um plano de contingência para enfrentar eventuais crises bancárias, segundo informação contida no relatório anual de gestão da instituição.

O Banco Central não dá detalhes sobre o trabalho, mas explica que a sua preocupação é, entre outras coisas, ter um instrumento que substitua o extinto Proer e permita atuar em casos de insolvência de bancos importantes.

A autoridade monetária afirma que, na atual crise, não vê necessidade de acionar o plano de contingência, já que o mercado bancário vive problemas de liquidez, e não de insolvência. Deficiências de liquidez ocorrem quando os bancos têm bons ativos em carteira, mas que não podem ser transformados rapidamente em dinheiro para atender saques. A insolvência ocorre quando o banco tem ativos de má qualidade que, se vendidos, seriam insuficientes para pagar depositantes e demais credores.

A crise atual tem mostrado que o BC brasileiro não é o único com instrumentos insuficientes para lidar com crises no sistema bancário. Desde o ano passado, por exemplo, o Federal Reserve, o BC americano, criou nove novas linhas de redesconto e, ao todo, agora tem 11 linhas para resolver deficiências de liquidez no mercado. O Reino Unido criou mecanismos para, por meio da estatização, resolver problemas de solvência bancária.

Esses países, porém, estão criando instrumentos excepcionais para tratar de uma crise sem precedentes na história recente. O Federal Reserve sempre operou uma linha de redesconto. Vários países, incluindo os Estados Unidos, têm mecanismos para lidar com crises de insolvência. Já o Brasil deixou de ter instrumentos básicos de para a atuar depois da aprovação da LRF.

O ideal, na visão do Banco Central, é que, assim como extinguiu o Proer, o próprio Congresso Nacional discutisse e aprovasse um novo instrumento para resolução de crises bancárias.

A LRF extinguiu o Proer ao vedar expressamente a concessão de empréstimos de socorro a bancos com dinheiro público.

Em 2000, havia uma reação muito forte no Congresso contra esse tipo de instrumento de resolução de crises bancárias, depois que o BC injetou R$ 1,8 bilhão no socorro de dois bancos de pequeno porte, o Marka e o FonteCindam, que ficaram insolventes em janeiro de 1999, quando a taxa de câmbio sofreu uma forte desvalorização.

Sem ambiente político para aprovar mecanismos que permitam evitar a quebra de bancos, restou elaborar um plano de contingência, incluindo propostas de mudanças na legislação, para ser editado em uma crise repentina. Foram feitos estudos jurídicos, disse uma fonte, para dar segurança a quem eventualmente esteja à frente da implementação do plano. Até hoje, dirigentes do BC são alvo de processos judiciais que questionam o Proer.

A criação de um instrumento de resolução de crises não significa que ele seria utilizado para evitar a quebra de toda e qualquer instituição financeira. Nos casos em que a quebra do banco é um evento isolado, que não afeta o sistema como um todo, a solução continua a ser a liquidação extraordinária. Permitir quebras de bancos é uma forma de estimular a disciplina de mercado, ou seja, a vigilância dos grandes investidores sobre os bancos. Nos casos de falência bancária, os pequenos clientes estão protegidos pelo seguro depósito, que garante depósitos até R$ 60 mil.

Até a semana passada, o BC não tinha nem mesmo um instrumento para lidar com crises de liquidez. Para resolver esse problema, foi editada uma medida provisória criando uma nova linha de redesconto. Legalmente, já havia o redesconto, mas na prática ele não era utilizado. Um dos problemas era a própria LRF, que exigia a edição de uma lei para dar sustentação de empréstimos de redesconto.

O BC, há muito tempo, já identificava a falta de regulamentação do redesconto como uma das fragilidades do sistema. A deficiência havia sido apontada várias vezes em relatórios de avaliação da economia brasileira feitos por organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).