Título: Justiça garante perdas a investidores
Autor: Carvalho, Luiza de
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2008, Legislação & Tributos, p. E1

A Justiça brasileira começa a desenhar uma jurisprudência nos casos de investidores que ingressam com ações judiciais na busca pelo ressarcimento de prejuízos que sofreram em seus investimentos - e por enquanto, ela é favorável aos investidores. É o que indica um levantamento feito pelo escritório de advocacia Rosenbaum Advogados em tribunais de cinco Estados do país. O estudo reúne 47 ações já julgadas no mérito nos tribunais e, na média, 60% delas tiveram decisões favoráveis ao investidor - das oito existentes em São Paulo, por exemplo, 75% delas seguiram esse entendimento. Os casos em que a Justiça concedeu indenizações estão relacionados a perdas sofridas por fatores imprevisíveis que afetam o sistema financeiro - como a desvalorização cambial de 1999, diante da crise asiática, e a alteração imposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central nos critérios de marcação dos títulos que compõe as carteiras de investimentos de fundos, a chamada marcação a mercado, cujo auge se deu em 2002.

A pesquisa reuniu ações movidas por pessoas físicas que ingressaram com processos na Justiça contra bancos e corretoras após sofrerem prejuízos com fundos de investimentos de níveis variados de risco e com ações. Além de São Paulo, o levantamento se estendeu a Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Rio Grande do Sul - sendo que nos dois últimos as decisões não foram majoritariamente favoráveis aos investidores. Das 16 decisões encontradas em tribunais gaúchos, metade é favorável aos bancos e no Distrito Federal, a única decisão encontrada segue esse entendimento. Para o advogado Léo Rosenbaum, que coordenou o levantamento, o reduzido número de ações na Justiça se deve ao desconhecimento do direito de pleitear indenizações por prejuízos financeiros. "É possível demonstrar na Justiça que o banco extrapolou os limites de risco", diz.

Nas decisões favoráveis aos investidores, os desembargadores têm se valido do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para inverter o ônus da prova e, na dúvida de interpretação, beneficiar o consumidor. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), que recebeu até agora poucos casos do tipo, o entendimento quanto à aplicação do CDC está dividido. Ao que se sabe, há apenas uma decisão colegiada a respeito, em um recurso movido pelo Banco Boa Vista Espírito Santo - hoje incorporado ao Bradesco - para tentar impedir a aplicação do CDC ao caso, sob a alegação de que os investidores tinham conhecimento dos riscos de mercado. A terceira turma do STJ, no entanto, entendeu que as relações existentes entre clientes e instituições bancárias configuram uma relação de consumo. Há outras quatro decisões monocráticas na corte, sendo duas favoráveis e duas contrárias à incidência do código em casos envolvendo prejuízos sofridos com fundos de investimento.

A maioria das decisões pesquisadas trata da marcação a mercado de 2002, sendo que cerca de 80% delas foram favoráveis aos investidores. Foi o que ocorreu em uma ação ajuizada por um investidor que teve um prejuízo de R$ 84 mil em um fundo administrado pelo Banco do Brasil. Neste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou o banco a indenizá-lo no valor corrigido da perda por considerar que, ao creditar o investidor aquém da remuneração real, o banco beneficiou-se diretamente de seu prejuízo. Em uma decisão similar tomada no ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) condenou o fundo de investimento Banrisul VIP I a indenizar em R$ 2 mil um investidor de pequeno porte - no acórdão, os desembargadores levaram em conta que esse é o entendimento majoritário na corte e que o banco conhecia as regras da marcação ao mercado desde 1996, por meio de uma circular do Banco Central.

Em alguns tribunais, porém, a mesma marcação a mercado é vista sob outro ângulo. Em uma ação envolvendo o Banco do Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que a instituição não tem responsabilidade por prejuízos pois atuou conforme as disposições que regem o mercado. O advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, que obteve decisões favoráveis aos bancos em ações do tipo, conta que muitos juízes entendem que, além do risco de mercado ser natural, a própria CVM absolveu os bancos em instância administrativa por se tratar de um momento de transição de regras. Segundo Queiroz, os juízes só estão concedendo indenizações quando fica demonstrado na ação que houve má-gestão ou quebra de contrato.

A crise asiática de 1999 também é um cenário freqüente para as ações motivadas por perdas financeiras. Ao julgar um recurso movido por ex-cotistas dos fundos do Banco Marka, o STJ, em uma decisão monocrática, entendeu que aqueles que militam no mercado financeiro têm pleno conhecimento dos riscos de suas aplicações e não podem ter sido induzidos a erro pelo banco. A situação do Marka é peculiar, pois o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que era dono do banco, foi acusado de gestão fraudulenta por ter obtido dólares a preços mais baratos do que os de mercado junto ao Banco Central e condenado a 13 anos de prisão em primeira instância. Mas o STJ considerou que a causa das perdas financeiras dos cotistas foi a desvalorização cambial de 1999, e não a suposta gestão fraudulenta. "Aplicar na bolsa é como um jogo, uma loteria", diz o advogado Carlos Ely Eluf, do escritório Eluf Advogados Associados, que defende o Banco Marka e Cacciola.

Apesar da jurisprudência até agora favorável aos investidores nos tribunais, alguns advogados quer atuam na área não acreditam no sucesso de demandas judiciais como essas. Segundo o advogado Otto Steiner, do escritório Steiner Advogados Associados, nos últimos anos surgiram muitos processos "aventureiros", e o Judiciário tem se tornado mais refratário a teses favoráveis aos investidores. "Não tem sentido discutir na Justiça um risco de mercado", diz. Para o advogado Pierre Moreau, da banca Moreau Advogados, um fator que deve conter processos do tipo é o de que os bancos estão tentando seguir a tendência das instituições inglesas, que fazem prospectos cada vez mais claros e com informações ao alcance do investidor médio. "Isso evitará alegações na Justiça de que pessoas foram induzidas a erro", afirma.

Procurados pelo Valor, o Bradesco, o Banrisul e o Banco do Brasil informaram, por meio de suas assessorias de imprensa, que não se manifestam sobre processos judiciais em andamento - das decisões de tribunais cabem recursos ao STJ. O Bradesco informou ainda que não tem tido problemas do tipo com seus investidores e seus gerentes de investimentos são hoje certificados pela Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid). A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informa que, como os bancos não trouxeram o tema para a pauta da comissão jurídica da entidade, a federação não teria o quê comentar a respeito.