Título: Quadrilha dentro da Câmara
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 26/02/2010, Política, p. 5

Presidente da Casa, Michel Temer admite a existência de um grupo especializado em lesar os cofres públicos atuando no Congresso

O presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), chamou de ¿quadrilha¿ o grupo de servidores que desviou pelo menos R$ 1,5 milhão dos cofres públicos, criando funcionários fantasmas e desviando salários, auxílios-creche e vales-transportes pagos pela Casa. Em entrevista ao Correio, o diretor da coordenação da Polícia Legislativa, Antônio Carlos Croner, que comanda as investigações, disse que documentos dos inquéritos foram enviados para exame grafotécnico. Ele quer saber se as assinaturas utilizadas pelo grupo de estelionatários para colocar laranjas na folha de pagamento da Câmara foram falsificadas ou se os próprios parlamentares assinaram os documentos.

Até agora, as investigações apontam principalmente para funcionários dos gabinetes dos deputados Sandro Mabel (PR-GO), Raymundo Veloso (PMDB-BA) e Tatico (PTB-GO) ¿ alguns já foram exonerados. A Polícia Legislativa diz que não existem indícios de envolvimentos dos parlamentares. ¿Os deputados assinam muitas coisas e os servidores envolvidos tinham acesso às assinaturas. Além disso, elas são fáceis de falsificar. Qualquer pessoa com talento para o crime faz isso em 15 minutos¿, ressaltou.

Por conta do golpe, 72 pessoas já foram indiciadas. O trabalho da Polícia Legislativa envolve 13 agentes. Para desvendar o esquema, os policiais foram diversas vezes a cidades do Entorno e a instituições de ensino espalhadas pelo DF. Para os investigadores, o ex-motorista do deputado Sandro Mabel Francisco José Feijão e sua esposa, Abgail Pereira da Silva, que trabalhou por três anos no gabinete de Raymundo Veloso, eram os líderes do esquema. A dupla se dedicava a procurar famílias carentes fora do DF oferecendo ¿benefícios sociais¿ para cada filho que essas pessoas tivessem. Após escolher as vítimas, o casal recolhia os documentos das pessoas e as ¿contratavam¿.

Elas entravam na folha de pagamento da Câmara como funcionários dos gabinetes e tinham contas bancárias abertas. O casal de supostos estelionatários embolsava os salários e, ainda, em conluio com escolas do DF, forjava matrículas das crianças para abocanharem o auxílio-creche pago pela Câmara, de até R$ 647. É para apurar como essas pessoas foram nomeadas que a polícia pediu o exame grafotécnico. A nomeação é uma prerrogativa dos parlamentares.

Silêncio O Correio identificou uma das instituições de ensino que fazia parte do esquema, a creche Mammy, em Samambaia. A dona, Cirlene de Souza, recebia dinheiro dos supostos estelionatários para entregar recibos falsos atestando o pagamento de mensalidades dos filhos das vítimas. Ela está entre os indiciados e, procurada pela reportagem, não quis falar sobre o assunto.

O golpe virou prática comum nos gabinetes da Câmara. Funcionários passaram a fazer acordos com as escolas, apresentando à Casa recibos de mensalidades em valores superiores aos reais. Só no gabinete de Tatico, ao menos 20 pessoas teriam se valido da tática. A assessoria de imprensa do deputado disse que ele não tinha conhecimento de que algum de seus funcionários estivesse envolvido na fraude.

¿Descobriu-se uma verdadeira quadrilha agindo aqui dentro da Casa. Estamos investigando isso há muito tempo. A Polícia Legislativa já mandou mais de 15 inquéritos concluídos para o Ministério Público Federal¿, afirmou o presidente da Câmara, deputado Michel Temer.

Além de darem golpe no recebimento de salários e auxílios-creche, funcionários da Câmara falsificaram documentos atestando moradia fora do DF para receber o valor máximo de vale-transporte previsto pela Casa, de R$ 480. Depois que as investigações foram deflagradas, muitos desistiram. O valor total desembolsado por conta do benefício caiu de R$ 138 mil em janeiro de 2009 para R$ 60,2 mil em janeiro deste ano. Os trabalhos da Polícia Legislativa começaram em agosto. Em novembro, o site Congresso em Foco iniciou uma série de reportagens sobre o caso.

Descobriu-se uma verdadeira quadrilha agindo dentro da Casa. A Polícia Legislativa já mandou mais de 15 inquéritos concluídos para o Ministério Público Federal¿

Michel Temer, presidente da Câmara

Análise da notícia Dano à imagem

Além de ter lesado os cofres públicos, a ¿quadrilha¿ que agia na Câmara ¿ como bem classificou o presidente da Casa, Michel Temer ¿ também danificou a imagem dos servidores do Legislativo. Isso porque quando funcionários de confiança dos deputados cadastram fantasmas e embolsam salários de pessoas que nunca trabalharam no parlamento, eles, no mínimo, confiam na impunidade. Os dois cabeças do esquema foram exonerados. O escândalo deixou de cabelo em pé até os parlamentares, acostumados a acompanhar de perto as mazelas do poder público, ultimamente exibidas em áudio e vídeo. Fica o alerta para os deputados, que precisam acompanhar com lupa o funcionamento de seus gabinetes. Segundo o site Congresso em Foco, tinha funcionário fantasma que, somando salário e benefícios, recebia até R$ 7 mil por mês. O tal ¿servidor¿ é um pasteleiro do Gama, que teve os três filhos ¿matriculados¿ em escola particular do DF. As crianças sempre estudaram na rede pública. Será que os parlamentares nunca deram falta do dinheiro, na hora de calcular o custo de funcionários que ¿ em tese ¿ trabalham direta e exclusivamente para eles?