Título: Participação de hidrelétricas diminui nos futuros projetos
Autor: Melloni, Eugênio
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2008, Especial, p. F3

Abençoado por uma enorme quantidade de rios, que permitem que as usinas hidrelétricas respondam atualmente por 76,1% de parque gerador nacional - que conta com aproximadamente 100 mil MW - , o Brasil desfruta de muitas vantagens em comparação aos países desenvolvidos. A geração hidráulica oferece uma energia renovável e barata, o que é uma dádiva em tempos de aquecimento global e diante das medidas previstas no Protocolo de Kyoto visando controlar e reduzir as emissões de poluentes causadores do efeito estufa. Nelson Perez/Valor Muniz Lopes: característica das usinas beneficiará o sistema interligado

O "viés barrageiro", como era tratada a disposição eterna dos governos de construírem barragens de hidrelétricas, foi, desde a década de 70, um dos suportes do desenvolvimento econômico do país. Nos últimos tempos, a expertise brasileira na construção de hidrelétricas virou produto de exportação: a Eletrobrás e construtoras como a Odebrecht, por exemplo, estão disputando ou executando projetos de usinas no exterior. Mas, no Brasil, ainda há muito potencial a ser explorado: de acordo com estimativas da empresa de consultoria Excelência Energética, os rios brasileiros ainda poderiam oferecer entre 160 mil a 170 mil MW de capacidade de geração.

Apesar dessa hegemonia, a presença das usinas hidrelétricas tem sido tímida nos recentes leilões de energia nova. Nos dois últimos leilões A-5 - que prevê a entrega de energia em um prazo de cinco anos -, realizados no ano passado e em setembro, de um total de 5.400 MW médios de energia negociados, apenas 850 MW médios eram provenientes de hidrelétricas. O restante foi de projetos de termelétricas a gás natural liquefeito (GNL), óleo combustível e a carvão.

Alguns fatores podem explicar essa menor participação das hidrelétricas nos futuros projetos de geração a serem viabilizados no médio prazo. Primeiro, é o fato dos maiores aproveitamentos hidráulicos das regiões Sudeste, Sul e Nordeste já terem sido viabilizados, restando apenas empreendimentos de médio e pequeno portes. Além disso, de acordo com o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, "o Brasil enfrenta uma carência de projetos inventariados", referindo-se à redução dos estudos dos potenciais de aproveitamento hidráulico dos rios.

Fontes do setor acrescentam que a ação do Ministério Público e de entidades ambientalistas tornaram os processos de licenciamento ambiental uma loteria. Os empreendedores se queixam de que, por conta de ações judiciais movidas contra os projetos, torna-se impossível prever quando as usinas terão suas obras concluídas, o que, por sua vez, tornam imprevisíveis os custos exatos dos empreendimentos. No último leilão de energia A-5, a presença de apenas uma usina hidrelétrica foi explicada pelo grande número de projetos sem licença ambiental prévia.

O presidente da consultoria Excelência Energética, José Said de Brito, chama a atenção para um fenômeno que ocorre com as hidrelétricas: as usinas que estão entrando em operação contam com reservatórios bem menores que os de projetos mais antigos. Ou nem mesmo possuem reservatórios - as chamadas usinas a fio d"água. Ao longo das últimas décadas, foram construídas grandes hidrelétricas com reservatórios plurianuais - capazes de acumular água por vários anos -, o que funcionava como garantia de operação regular das usinas até em períodos de seca, servindo de reserva de segurança para o sistema.

Há um componente geográfico e ambiental que explica os reservatórios menores ou inexistentes: como os novos projetos encontram-se na região Norte, onde o relevo é mais plano, a construção de grandes reservatórios resultaria em alagamento de extensas áreas, com grande impacto ambiental.

Os novos potenciais hidráulicos encontram-se na chamada transição dos rios Tocantins, Xingu e Tapajós, segundo o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes. "A viabilização desses empreendimentos não implica a necessidade de se construir reservatórios", afirma ele. Lopes destaca que há uma característica nessas usinas que beneficiará o sistema elétrico interligado: as usinas desses rios possuem um pico de cheia diferenciado em dois meses em relação ao registrado no Sudeste, o que representa um volume de energia três vezes superior ao armazenado no reservatório de Sobradinho - o maior do rio São Francisco -, ampliando a segurança do sistema em um momento de seca.

"Existe uma escassez de inventários de aproveitamentos hidráulicos", admite o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Ele lembra que, durante a década de 90, foi desmontada a estrutura do planejamento energético do governo, o que afetou o ritmo dos inventários. Ele acrescenta que a EPE está realizando os estudos, mas esbarra, com freqüência, em dificuldades operacionais. "Grande parte dos novos aproveitamentos se encontram na região Norte, muitos deles em áreas indígenas. Para entrarmos na reserva para realizar os estudos, é necessária a autorização dos índios, o que às vezes se revela uma dificuldade", explica.

Apesar dos problemas, Tolmasquim diz que existem projetos de usinas hidrelétricas que somam 27 mil MW que poderão ser viabilizados nos próximos três anos.