Título: Simbolismo de Obama encanta Lula
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2008, Internacional, p. A12

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está encantado com o "simbolismo" da possível eleição de Barack Obama, o primeiro negro com chances de chegar à Presidência dos EUA. É evidente, em conversas informais, a simpatia do governo Lula por Obama, diferentemente de eleições passadas, quando autoridades brasileiras defendiam reservadamente a conveniência de ter um presidente republicano, menos protecionista. O democrata traz mais incertezas à relação bilateral, e ministros e assessores ligados a Lula garantem não haver torcida por ele. Mas não parece.

Lula, segundo um ministro, compara sua própria eleição, de um ex-metalúrgico e migrante nordestino, à possível eleição de Obama, e incorporou essa idéia aos discursos. Na semana passada em Cuba, declarou que, "da mesma forma que o Brasil elegeu um metalúrgico, a Bolívia, um índio, a Venezuela, o (Hugo) Chávez, e o Paraguai, um bispo, seria extraordinário a maior economia do mundo eleger um negro". Lula foi além, ao comentar que "há uma ponta de alegria na mente silenciosa de cada um de nós de ver um negro eleito presidente dos EUA".

Assessores dos dois pretendentes à Casa Branca, Obama e o republicano John McCain, já fizeram contatos com o governo brasileiro, mas só por meio da embaixada do Brasil em Washington. Segundo relatos que chegaram ao ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, ambos fizeram elogios ao papel do Brasil na região e esperam que o país seja visto como modelo.

Ao argumento de que os republicanos seriam mais liberais em matéria de comércio, e favoreceriam o Brasil em temas como o etanol (McCain apóia a redução das tarifas impostas à importação de etanol brasileiro), um influente diplomata argumenta que, Obama teria mais condições que McCain de influir no Congresso, dominado pelos democratas. E é o Congresso quem dá as cartas em temas comerciais.

O Itamaraty vê um consenso crescente no Congresso dos EUA em favor do Brasil, como aliado americano. Além do reconhecimento do papel das forças brasileiras no Haiti, parlamentares democratas ajudaram a aprovar duas resoluções favoráveis ao Brasil na gestão Bush, uma delas aplaudindo o acordo de cooperação em biocombustíveis e outra pelo acordo contra discriminação racial.

Várias autoridades próximas de Lula avaliam que a crise financeira global deixará a América Latina em segundo plano por algum tempo na agenda do futuro presidente dos EUA, quem quer que ele seja.

Obama traz mais incertezas, argumenta um graduado diplomata, porque a eleição de um republicano manteria nos postos muitos dos funcionários com quem as autoridades brasileiras já travaram relacionamento e com quem negociaram programas de trabalho. Mas o candidato democrata, ao contrário de McCain, não tem em sua equipe integrantes da direita conservadora americana, nem "fundamentalistas", segundo lembra um dos principais responsáveis pela política externa de Lula.

O Itamaraty avalia que o Brasil, nos últimos anos, ganhou um peso político no cenário internacional que obriga o governo a analisar o quadro político de um ponto de vista mais abrangente. A análise de que o protecionismo democrata faria mais conveniente a eleição de um republicano não resiste à constatação de que, sob o governo Bush, o protecionismo americano sofreu poucos abalos - e foi um conflito entre representantes de Bush e autoridades indianas que enterrou as possibilidades de um acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC) neste ano.

A realidade, argumentam interlocutores freqüentes de Lula, é que Obama não se manifestou sobre grande parte dos assuntos de interesse específico do Brasil, e, em relação aos objetivos mais amplos de política internacional, mostra uma compreensão do quadro político mundial maior que seu adversário. Negro, filho de africano e criado por um padrinho que morou com ele na Indonésia, Obama mostra mais sensibilidade e uma maior disposição ao diálogo, segundo autoridades brasileiras.

Obama tem ainda um aliado entusiasta no governo Lula, ainda que de pouca influência. O ministro de Assuntos Estratégico, Mangabeira Unger, foi professor do democrata em Harvard.