Título: Petróleo em baixa ameaça a integração bolivariana
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2008, Internacional, p. A8

A queda do petróleo no mercado internacional tornou-se uma ameaça sem precedentes para o projeto de integração para a América Latina e o Caribe patrocinado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Nascida em 2004 e hoje com sete sócios, a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) já consumiu quase US$ 33 bilhões em benesses financiadas pelo orçamento venezuelano e sua estatal de petróleo, a PDVSA.

Os cálculos foram feitos pelo Centro de Investigações Econômicas (Cieca), uma consultoria de Caracas. Boa parte desse dinheiro se refere ao fornecimento de petróleo subsidiado aos aliados de Chávez na região. A Alba não corre risco imediato de vida e um sinal disso é a adesão de Honduras - tradicionalmente um bom parceiro dos EUA - ao grupo, em agosto.

Mas "o motor da Alba tem sido a PDVSA e ela está com forte dificuldade de caixa", diz Franklin Rojas, presidente do Cieca. Só para Cuba foram vendidos US$ 4,6 bilhões em petróleo a preço subsidiado desde 2005. Todos os anos a Venezuela tem reafirmado seu compromisso de fornecer à ilha em torno de 92 mil barris por dia. Esquemas semelhantes têm beneficiado outros países.

Até o mês passado, o pagamento do óleo era feito em produtos e serviços - no caso de Cuba, parte da conta vinha sendo quitada com o envio de médicos e especialistas cubanos para os programas sociais de Chávez. No entanto, conforme acentua o presidente do Cieca, a PDVSA passou a exigir em outubro que o abastecimento de petróleo comece a ser pago com dinheiro.

Para o analista, as dificuldades fiscais da Venezuela em 2009 "serão muito altas" e comprometem a política de distribuição de bondades aos aliados da Alba. Isso levará a uma perda de prestígio de Chávez na região. "Sua influência está mais vinculada aos gastos feitos com o dinheiro do petróleo do que a uma visão compartilhada de mundo entre os sócios da Alba", afirma Rojas, apesar da presença da Bolívia e de Cuba na associação bolivariana. "Isso certamente tem influenciado bem mais que questões ideológicas."

À Bolívia, por exemplo, o pacote de bondades de Chávez inclui US$ 130 milhões em petróleo subsidiado e investimentos como uma fábrica de cimento no valor de US$ 230 milhões - a ser construída em parceria com o Irã. Mas engloba ainda benesses curiosas, como a doação de 179 veículos policiais (US$ 12,8 milhões), a construção de um estádio de futebol novinho em Oruro (US$ 4,5 milhões) e o financiamento de US$ 410 mil para a campanha do "sim" ao referendo sobre a nova Constituição local.

Nas estimativas do Cieca, se o petróleo venezuelano se mantiver no patamar de US$ 60 por barril - por ser pesado, tem preço sempre mais baixo do que o óleo tipo Brent ou WTI -, as receitas provenientes das exportações do produto deverão cair de US$ 101 bilhões, em 2008, para pouco menos de US$ 65 milhões em 2009. A atividade petrolífera representa metade da arrecadação tributária da Venezuela e os preços mais baixos comprometem sua capacidade de investir.

O embaixador Sérgio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento, acredita que a queda nas cotações do petróleo não chega a inviabilizar os projetos de ajuda e a cooperação da Venezuela com os sócios da Alba. "Mas eles certamente serão mais modestos", afirma. A influência de Chávez também deve ter um contrapeso importante nesses países com a chegada do democrata Barack Obama à Casa Branca. "Com diferentes matizes, somos uma região com críticas à atuação americana. A postura de Obama, de multilateralismo e de maior diálogo, favorece uma reaproximação com os Estados Unidos", diz.

Amaral, que chefiou as representações brasileiras em Londres e Paris, vê fragilidades na associação bolivariana. "A Alba, na verdade, não tem uma agenda própria. É um grupo de países unidos por afinidades ideológicas e vantagens econômicas", afirma.

De alguma forma, embora não esteja preocupado em competir com o venezuelano pela liderança na América Latina e no Caribe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode acabar se beneficiando do vácuo deixado pela diminuição da ajuda por Chávez.

A Bolívia tem intensificado seus contatos com o governo brasileiro visando ao financiamento de estradas no país pelo BNDES. Autorizada recentemente a atuar no exterior, a Eletrobrás tem projetos de usinas hidrelétricas em países como Peru, Haiti, El Salvador e Nicarágua.

Lula também tem aproveitado viagens recentes para anunciar investimentos e oficializar doações a países da região. No fim do mês passado, em viagem pelo Caribe e América Central, doou 45 mil toneladas de arroz beneficiado, 2 mil toneladas de leite em pó e 500 quilos de sementes de hortaliças, retirados dos estoques da Conab, para quatro países - Cuba, Jamaica, Honduras e Haiti - recentemente afetados por desastres naturais, como o furacão Ike, e por crises alimentares.