Título: Socorro em banho-maria
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2010, Economia, p. 8

Europa promete ajudar a Grécia, mas não divulga nenhuma medida prática. Falta acordo entre líderes e também um compromisso grego com forte corte de gastos. Pacote econômico só sairá pelo temor de que a crise no país mediterrâneo prejudique o euro

Os líderes da União Europeia (UE) garantiram ontem que vão ajudar a Grécia (1)a sair da sua grave crise fiscal, evitando o contágio na Zona do Euro, mas decepcionaram os investidores ao não anunciar nenhuma medida concreta. Enquanto ainda havia a expectativa sobre o socorro, as três principais bolsas de valores europeias estavam levemente no terreno positivo. Como o pacote não veio, duas acabaram fechando no vermelho: Frankfurt (-1,08%) e Paris (-0,52%). Londres andou de lado, com alta de 0,1%. O auxílio deve ser dado pelos governos da Alemanha e da França, que exigirão das autoridades gregas a adoção de um forte plano de ajuste nas contas públicas.

Adotando o tom diplomático de praxe, o presidente da UE, Herman Van Rompuy, assegurou que o primeiro-ministro grego, Georges Papandreou, não pediu socorro. Ontem, os representantes dos 27 países do bloco, reunidos em Bruxelas (Bélgica), fizeram um gesto político e de solidariedade. O pacote econômico só sairá pelo temor de que a crise grega contamine o euro, moeda adotada por 16 países europeus. ¿Os Estados-membros da Zona do Euro vão tomar ações determinadas e coordenadas se necessário para proteger a estabilidade do bloco como um todo¿, assinalava o comunicado da reunião.

Os detalhes devem ser anunciados na semana que vem, quando as equipes econômicas dos membros se encontrarão. A Grécia tem uma dívida equivalente a 120,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e registrou um deficit de 12,7% do PIB em 2009, número mais de quatro vezes superior ao teto de 3% permitido pela UE. Os analistas veem o caso como apenas o primeiro da fila na Europa. Também enfrentam sérios problemas fiscais Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, cujos nomes em inglês formam o acrônimo depreciativo Piigs, que lembra a palavra pig (porco).

¿Concordamos com o princípio de ajudar¿, afirmou ontem o presidente francês, Nicolas Sarkozy. A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, deixou claro que o governo grego vai ter que se enquadrar. ¿A Grécia faz parte da União Europeia e não será deixada sozinha, mas há regras e essas regras precisam ser respeitadas¿, disse. Papandreou já se comprometeu a reduzir o deficit em 4% do PIB neste ano, cortando aposentadorias e salários do funcionalismo, além de aumentar o Imposto de Renda sobre altos rendimentos. O ajuste fiscal será feito com o auxílio técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE).

Pagamento

Na avaliação do estrategista-chefe do banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani, o mecanismo deverá ser uma troca de bônus da dívida externa grega por papéis alemães e franceses, garantindo o pagamento aos credores. No início, os governos da Alemanha e da França resistiam a promover qualquer tipo de resgate, o que soaria como um prêmio a quem desrespeitou as regras do bloco. Mas acabaram cedendo por temer o contágio. ¿A situação fiscal é muito ruim. Uma contaminação pode vir pelos bancos dos principais países, que estão muito expostos na Grécia, em Portugal e na Espanha¿, diz.

A curto prazo, o efeito negativo da crise grega deve ser mais nervosismo nas bolsas de valores, com mais variação nos preços das ações, fuga para o dólar e a consequente desvalorização do euro e de outras moedas. A médio prazo, a exposição dos principais bancos europeus à dívida de países trôpegos vai piorar a concessão de crédito. O corte de gastos para ajustar as contas será recessivo. Tudo isso vai resultar em menor crescimento econômico. Hoje, os analistas esperam uma expansão de, no máximo, 1,2% neste ano. Mas a realidade pode ser bem pior.

¿Isso traz as coisas mais para a realidade. Nos últimos 11 meses, ouvimos cenários exageradamente positivos no mundo¿, diz Padovani. Ele não acredita que a Grécia e os demais Piigs tenham potencial para detonar ¿o segundo mergulho¿ da crise global, temido por muitos, pois não têm força para derrubar os Estados Unidos e a China. Apesar da dificuldade de decisão dos líderes europeus, as medidas a serem detalhadas devem ¿contribuir para restaurar a confiança¿, avalia.

1 - Sem trabalho O desemprego na Grécia atingiu seu maior nível em quase cinco anos e líderes trabalhistas disseram estar organizando greves contra as medidas de austeridade fiscal do governo. A taxa de desemprego subiu para 10,6% em novembro, ante 7,8% no mesmo mês do ano anterior ¿ o índice mais alto desde março de 2005. Foi o maior aumento de desemprego no comparativo anual desde que a contagem começou, em 2004. A taxa de desemprego foi particularmente alta entre os jovens, o que é um combustível para os protestos.

A situação fiscal é muito ruim. Uma contaminação pode vir pelos bancos dos principais países, que estão muito expostos na Grécia, em Portugal e na Espanha¿

Roberto Padovani, estrategista-chefe do banco WestLB no Brasil

Leia mais: o texto divulgado pelos líderes europeus sobre a ajuda à Grécia

Espanha deve ser o coração da crise

Liana Verdini

A crise grega pode não ter o potencial de arrastar para a insolvência os demais Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, que em inglês se chama Spain). Pelo menos é o que avalia o economista americano Paul Krugman, professor de economia e assuntos internacionais na Universidade Princeton, para quem a economia grega é muito pequena, bem como a portuguesa e a irlandesa. ¿Em termos econômicos, o coração da crise é a Espanha, que é muito maior¿, escreveu o em seu blog no The New York Times. E continuou: ¿Se a Itália for pega, isso muda¿.

O professor de Princeton frisou que o problema espanhol não é consequência de irresponsabilidade fiscal. A crise espanhola é resultado de ¿choques de assimetrias¿ causados pela união monetária sem integração fiscal e do mercado de trabalho. Depois de 2000, o preço dos imóveis na Espanha disparou, provocado pelos expressivos investimentos alemães. O boom inflou também os salários e produziu o aumento da demanda por bens e serviços espanhóis, que se traduziu em uma inflação mais alta na Espanha do que na Alemanha e na França, por exemplo.

¿Quando a bolha estourou, deixou a Espanha com uma demanda doméstica reduzida e crescentemente menos competitiva na área do euro devido aos altos preços e aos custos trabalhistas. Se a Espanha tivesse sua própria moeda, ela teria se valorizado durante o boom imobiliário e se depreciado na crise¿, explicou Krugman. Quando a crise estourou, a Espanha apresentava superavit em seu orçamento, situação que rapidamente se inverteu devido à queda na receita e ao aumento das despesas para limitar o crescimento do desemprego.

Portugal

Com problemas fiscais severos e já citado como um dos próximos a enfrentar uma crise, Portugal anunciou esta semana um ajuste em seu orçamento. Na peça entregue à Assembleia da República na quarta-feira, o primeiro-ministro, José Sócrates, propôs as linhas do Programa de Estabilidade e Crescimento, a ser apresentado à União Europeia. Nele estão as medidas para ¿equilibrar as contas públicas, alcançando um deficit inferior a 3% do PIB até 2013¿, disse ele. O orçamento de 2010, segundo o primeiro-ministro, deve ¿promover o crescimento, o investimento e o emprego, e retomar rapidamente o caminho de equilíbrio das contas públicas¿.

Sócrates afirmou que o investimento público será mantido nas áreas com maior capacidade de ajudar na recuperação econômica, no emprego e na modernização da economia: parque escolar, rede hospitalar, construção de barragens, creches e lares e infraestruturas de transportes e comunicações. Além disso, ¿os apoios ao emprego continuam a ser essenciais, quer no estímulo à contratação, quer na defesa do emprego em setores mais expostos à crise internacional, quer na melhoria do acesso à proteção social dos desempregados¿, concluiu.