Título: Desafio da escolha
Autor: Capozoli , Rosangela
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2008, Investimentos, p. D3

O médico colombiano Ferrer Pardo investiu na Bolsa de Valores de São Paulo boa parte de tudo o que juntou nos últimos anos. Perdeu 60% do que aplicou. Ferrer poderia ter retirado seus investimentos meses atrás e, com isso, perdido menos. Optou por manter suas reservas na bolsa. Está convicto de que ainda vai recuperar o que investiu e que, no final das contas, sairá ganhando.

Ferrer não é um especialista no mercado financeiro. Sua especialidade é a cirurgia plástica, com graduação na Universidade de São Paulo e título reconhecido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Para seus pacientes, ele costuma fazer uma recomendação: o melhor investimento está na auto-estima, no conforto de sentir-se melhor com o corpo e a própria aparência. Para quem porventura pergunta a ele sobre o que faz com seus recursos financeiros, ele não esconde: "Aplico na bolsa". "Estamos vivendo um momento de crise e de descrença no sistema financeiro. É uma fase passageira", afirma. No momento, como medida de precaução, ele está aplicando também em papéis do Tesouro e de olho no mercado imobiliário.

O médico dedica mais de 12 horas por dia ao rejuvenescimento de rostos de pessoas famosas, mas encontra tempo para a leitura. Um dos seus livros de cabeceira, não por acaso, é de Luiz Fernando Rudge que tem entre suas obras, por exemplo, a "Enciclopédia de Finanças - Administração de Finanças e Mercados de Capitais". Como economista autodidata, ele vê o mercado através das lentes da "especulação" e diz que isso explica a supervalorização de ações como as da Vale e da Petrobras.

Mesmo com o mercado mostrando constantes migrações entre os produtos, na soma, a captação no mercado financeiro vem revelando crescimentos expressivos. O último dado do Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen) aponta que a captação foi R$ 2,259 trilhões em agosto, alta de 19,8% em relação ao mesmo mês do ano passado. "Quem esperar, não vai perder", afirma o cirurgião.

Márcia Dessen, da Bankrisk Consultoria e Treinamento, concorda em parte com o médico. "As ações da Petrobras tiveram um salto porque o barril de petróleo atingiu US$ 128,53 em maio e hoje está a U$ 50,00." A supervalorização, explica, foi em cima de uma apreciação do valor das commodities. "O preço das commodities caiu e as ações acompanharam. A demanda não ocorrerá mais nas mesmas proporções", acredita. As ações preferenciais da Petrobras perderam 61,5% no ano. Apesar de as perdas em dólares da bolsa já atingirem 64,31%, analistas afirmam que a recuperação poderá tardar, mas quem for persistente tende a ganhar.

Com a fuga de capital estrangeiro, que responde por 35% das operações feitas na bolsa - nos primeiros dez meses de 2008 saíram R$ 23 bilhões e, apenas em outubro, R$ 4,7 bilhões - os investidores correm atrás de aplicações que representem menores riscos. "De um modo geral estão avessos à volatilidade e vão procurar alternativas de investimentos de menor risco, como renda fixa, ou nos Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), Certificados de Depósitos Interbancários (CDI) e produtos afins", afirma Leonel Molero Pereira, professor do Laboratório de Finanças (LabFin) da Fundação Instituto de Administração (FIA). Para ele, apesar de o investidor estar escaldado com a renda variável, esta ainda é um bom negócio no longo prazo. "O mercado de renda variável é uma boa alternativa para investidores que não vão precisar do dinheiro nos próximos dois ou três anos."

Fabio Colombo, administrador de investimentos, concorda com o professor e vai além. "O medo faz com que as pessoas, ao invés de comprar ações, acabem vendendo até com prejuízo, porque acham que a bolsa vai cair ainda mais", estima. Colombo lembra dos tempos de "vacas gordas", quando o mercado, em maio, bateu na casa dos 73.516 mil pontos, seu pico histórico, e agora se encontra em queda livre, chegando a 29.435 pontos, em 28 de outubro. Esse foi o nível mais baixo desde 2005, significando uma depreciação acumulada até o momento de 57,5%. "O racional seria comprar, hoje, quando os preços estão baixos, para resgatar em períodos de alta", afirma.

Segundo a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), a indústria de fundos já perdeu R$ 54,66 bilhões em saques líquidos em 2008, o que representa o pior ano desde 2002. Contra os riscos e volatilidade dos fundos, o investidor está procurando aplicações garantidas, seja pelo tipo de produto mais seguro, seja pelas travas que garantem o investimento. Os fundos de capital protegido, embora ainda não sejam muito populares, são uma dessas opções, e não por acaso está nas poucas categorias com captação positiva no ano. O produto registrou entrada de R$ 1,57 bilhão em 2008, triplicando em volume em relação ao ano anterior.

Os fundos de capital protegido são uma das hipóteses consideradas pelo professor universitário Fernando Orsatti, 29 anos, formado em engenharia mecânica pela Escola Politécnica da USP. Orsatti diz que aplicou boa parte de suas reservas na bolsa até julho, quando desistiu de comprar ações. "O difícil é saber qual é o período de alta e de baixa. Agora estou quieto, mas espero voltar a aplicar quando tiver certeza da baixa. Enquanto tiver essa variação no mercado vou aplicar em produtos mais conservadores", diz.

Vários dos especialistas ouvidos continuam vendo a bolsa como uma opção atraente. "O investidor típico de renda variável está aproveitando esse período de baixa para ir às compras, porque os preços estão baixos", diz o professor Pereira. Mas, como a grande maioria dos investidores está escaldada, os bancos estão oferecendo um leque de opções onde o ponto comum é a segurança e a baixa ou nenhuma volatilidade. "O próximo ano será de cautela", diz Flávio Serrano, economista sênior do BES Investimentos do Brasil S/A Banco de Investimentos.

Para Serrano, o que há de mais seguro para 2009 "é a questão da trajetória para taxa de juros no Brasil", afirma. "O que a gente vive e deve viver no primeiro semestre do ano próximo é um mercado muito pressionado pela inflação, especialmente pelas commodities. Embora essa pressão comece a ceder, veio essa depreciação em relação ao dólar, que acabou pressionando um pouco a inflação neste fim de ano."

Para ele, a inflação deve ficar mais comportada porque o crescimento econômico global tende a ser fraco. Com uma menor pressão sobre os preços das commodities, a inflação estará mais controlada. No Brasil, é esperado que caia de 6,2% este ano para 4,5% no ano que vem, diz o analista. O risco que ele vê está no câmbio, que chegou a R$ 2,50 neste ano, mas que, na sua avaliação, deve cair para R$ 2,00 a R$ 2,20. Com uma desaceleração global, Serrano prevê menor pressão sobre a inflação e sobre os juros, e a retomada do crescimento doméstico. Com o crédito mais escasso e mais caro, a economia deve crescer menos, favorecendo o equilíbrio de preços e uma possível queda de juros por parte do BC, chegando a 13% até o final do ano.

Diante desse quadro, Serrano considera que investimentos pré-fixados agora podem ser favorecidos por essa dinâmica. "As taxas de juros hoje no Brasil estão bastante elevadas, pagando 15%, 16%. Então, aplicar em títulos públicos, ou fundos de investimentos de renda fixa, ou CDB pré-fixado pode ser uma boa opção para quem quer um retorno com pouco risco", diz.

De olho nesse mercado, o Bradesco antecipou o lançamento do CDB Fidelidade de janeiro de 2009 para final de setembro. "O atrativo do Fidelidade é manter o cliente fiel ao banco e para isso é preciso dar a ele um bônus. O patamar de rendimento aumenta de acordo com o tempo de aplicação", diz Marcos Villanova, diretor de área de investimentos do Bradesco.

O Grupo Santander também se adiantou ao colocar no mercado produtos alinhados com a necessidade de sua clientela diante da revoada da bolsa. Reformulou o CDB Recompensa, que opera nos mesmos moldes do Fidelidade. "Não é só por conta das perdas da bolsa que o investidor esta à procura de um produto mais conservador. Também foram registradas saídas de fundos que apresentavam algum tipo de volatilidade", informa Cínara Polycarpo Figueiredo, superintendente executiva da área de assessoria de investimentos do Santander.

A estratégia do Banco Real/ABN Amro também foi a de lançar produtos. "Lançamos no dia 15 de outubro o Van Gogh e em um mês a captação atingiu R$ 150 milhões", diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimentos. Para 2009, ele já desenha novos produtos, porém guarda o segredo a sete chaves.